A estátua de Tiradentes esculpida pelo paranaense João Turin deve retornar à Praça Tiradentes em 60 dias. Após a retirada do pedestal, na noite de quinta-feira, o monumento foi transportado para o Atelier João Turin onde será feita a restauração pelo escultor Elvo Benito Damo. Após a retirada da estátua, foi encontrada uma garrafa com manuscritos e algum objeto que teria sido colocada pelo próprio escultor no local, em 1927.
Segundo a coordenadora de Acervos da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Denise Zanini, responsável pela logística e por acompanhar os trabalhos do ateliê em nome do município, os trabalhos de restauração e confecção de moldes fazem parte de um projeto iniciado há cerca de dois anos, depois que os direitos sobre o acervo do escultor foram comprados pelo colecionador curitibano Samuel Ferrari Lago. Foi realizado um levantamento do acervo e, após negociações entre a família Lago, o poder público e descendentes de Turin, foram iniciados os trabalhos, no Atelier João Turin.
Descoberta
O conteúdo da garrafa encontrada ontem será revelado na próxima semana na presença do prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, do presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Marcos Cordiolli, e da equipe técnica da instituição e dos restauradores.
”Agora, a ansiedade é para conhecer o conteúdo deste texto que será aberto na próxima semana com todos os cuidados que situação requer. Parabéns ao Samuel Ferrari Lago, do Atelier João Turin, e ao Maurício Appel, gestor do projeto. Reconhecemos o imprescindível trabalho que estão fazendo pela preservação e difusão da obra de João Turin”
Sobre o projeto
Além da estátua de Tiradentes, duas outras obras de Turin (1878-1949) pertencentes ao patrimônio público municipal já estão sendo restauradas e ganhando moldes e pátina de proteção: a peça Luar do Sertão (uma onça rugindo que fica na rotatória ao lado da sede da Prefeitura) e a águia que faz companhia a Rui Barbosa na Praça Santos Andrade. Elas devem voltar a seus locais originais em agosto.
A restauração das três peças faz parte de um projeto maior, que envolve todo o acervo de Turin, reconhecido como um dos maiores artistas paranaenses. O diretor de Patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Mauro Tietz, informa que a Fundação acompanha o trabalho desde a retirada das obras que integram o patrimônio do Município até a restauração e devolução aos locais originais.
Maurício Appel, gestor do acervo, diz que é a primeira vez que uma restauração ponta-a-ponta da obra de um artista é realizada no Brasil. O trabalho, conta, chamou a atenção até do Ministério da Cultura, que está acompanhando o processo, pelo interesse museológico.
Complexidade – Atualmente estão sendo trabalhadas as peças maiores, que também são mais complexas. Cada estátua leva, em média, um mês para ser restaurada e ter seu molde retirado. “Há muita dilatação devido ao tempo. Também verificamos pequenos buracos que poderiam comprometer as obras”, informa Appel.
A onça de Luar do Sertão, por exemplo, exposta ao ar livre desde 1969, estava a ponto de perder a cauda. A águia, na praça desde 1936, também estava “bastante agredida”, segundo Appel. “O mais interessante é que percebemos que as pessoas se preocuparam com as obras depois que as retiramos. Isso mostra que elas gostam das esculturas, consideram que os bens também são delas”, ressalta Appel. Ele prevê que a estátua de Tiradentes também deve dar trabalho, pois está desde 1938 exposta ao tempo.
Os moldes que estão sendo feitos permitirão que essas e outras obras de Turin sejam multiplicadas. Normas do mercado preveem um limite de 12 reproduções de cada trabalho, que ainda assim continuam sendo consideradas obras originais. Appel relata que o escultor tinha dificuldade para reproduzir suas obras, devido à pouca estrutura da fundição artística em Curitiba na época. Assim, grande parte das obras ainda é única.
Mostra
As obras deverão ser expostas em Curitiba, no ano que vem. Mais cinco capitais brasileiras devem receber a mostra, bem como Bruxelas – onde Turin estudou, na Real Academia de Belas Artes – e Nova York. Também há a possibilidade de a exposição seguir para Paris, onde o artista viveu entre 1911 e 1922.
As novas reproduções também poderão ser comercializadas ou expostas em mais locais . A prioridade, ressalta Appel, será para museus ou outros espaços abertos ao público. Apesar de os direitos de propriedade das obras pertencerem à família Lago, os direitos autorais continuam sendo da família de Turin. Foi Appel quem mediou as conversas entre as duas famílias para que o projeto pudesse sair do papel.
Ficha das obras:
Tiradentes
Técnica: Escultura em bronze
Tamanho: monumento
Localização: Praça Tiradentes (Curitiba)
Inauguração: 1938
Obra realizada em Paris em 1922. Participou do salão dos artistas franceses, recebendo elogios da imprensa. No Brasil, no mesmo ano, participou da exposição comemorativa ao centenário da Independência no Rio de Janeiro, onde recebeu menção honrosa. Em 1927, por ocasião do cinquentenário da imigração italiana no Paraná, João Turin doou a obra para colônia italiana, que por sua vez realizou a fundição em bronze e a ofereceu ao povo do Paraná como forma de agradecer a terra que os acolheu. A escultura possui mais de dois metros de altura.
Luar do Sertão
Técnica: Escultura em bronze
Tamanho: natural
Inauguração: 1947
Localização: Centro Cívico (Curitiba) e Praça General Osório (Rio de Janeiro)
Turin teve sua fase de tigres. Para os trabalhos, se inspirava em gatos e nos felinos do Passeio Público. Já que os animais dormiam a maior parte do dia, o artista, em idade já avançada, passou a ir ao parque à noite: comprava carne no açougue Garmatter e negociava para conseguir iluminação melhor. “Foi um inferno, sem contar com a chuva, a garoa, a lama, o frio, pois a gente não é mais criança e não aguenta bem”, declarou na época. Mas o esforço compenso: a onça rendeu prêmios e homenagens a Turin.
Rui Barbosa
Técnica: Escultura em bronze
Tamanho: monumento
Inauguração: 1936
Localização: Praça Santos Andrade (Curitiba)
O monumento foi confeccionado depois que Turin assinou um contrato de empreitada com o Comitê Acadêmico de Direito da UFPR. As peças foram fundidas em uma oficina artística de São Paulo que fez várias fusões em bronze para o escultor. Com a justificativa de falta de espaço, a oficina acabou destruindo os originais em gesso, informando Turin apenas depois.
(Fontes: Secretaria de Estado da Cultura e livro A Arte de João Turin, de 1998, de Elisabete Turin)