O cinema e a infância
Nesta edição do Suplemento Cultural nosso ensaio vai falar de cinema, ou melhor, das crianças no cinema. Frente a tanta violência contra nossas crianças e adolescentes que martelaram nossas mentes nesse último mês vale lembrar que nem sempre a ficção é mais cruel que a realidade.
Mas deixemos as páginas criminais e toda a indescritível doentia que a envolve. Sim, sabemos que criança e adolescente no cinema é verdadeiramente uma tortura, gritam, não param quietas na poltrona, melecam tudo com refrigerante, etc. Mas não é da criança público que iremos falar e sim a que está na telona. E não vamos falar também dos filmes infantis, que estão em busca dos lucros digamos sujos com produções, elenco e roteiros quase que risíveis. Vamos falar da criança e muitas vezes da infância com personagens principais.
Vamos a uma idéia - "Francisco, lavrador do interior de Goiás, tem um sonho aparentemente impossível: transformar dois de seus nove filhos numa famosa dupla sertaneja. Morando numa casinha de adobe, em meio ao nada e horas distantes do vilarejo mais próximo, ele não mede esforços neste caminho. Teria chance desse rascunho se transformar em um” blockbuster’?
Continuando - "deposita sua esperança no primogênito Mirosmar ao dar-lhe um acordeão quando o menino tinha apenas 11 anos. Mirosmar e o irmão Emival que ganhara um violão começam a se apresentar com sucesso nas festas da vila até que, no início da década de 70, às voltas com a perda da propriedade, toda a família se muda para Goiânia e vive um momento de enorme dificuldade”.Um tanto melodramático e se você nem gosta de música sertaneja (como o Nelsinho Mota) esse roteiro é uma tortura.
Quer um pouco de molho para a choradeira? Pois lá vai - “Para ajudar nas despesas, os meninos tocam na rodoviária (lembra a Central do Brasil?), onde conhecem Miranda, empresário de duplas caipiras, o primeiro empresário da dupla, com quem desaparecem por mais de três meses. Os meninos fazem sucesso e chegam a cantar para 6 mil pessoas no interior do Brasil quando um acidente interrompe dramaticamente a carreira da dupla”.
Depois desse trecho do filme, e uma caixinha de "Kleenex" você pode desistir, foi fisgado pelo "2 filhos de Francisco" e depois de quase desistir, Mirosmar volta a cantar, vira Zezé di Camargo e grava sem sucesso um disco solo em São Paulo. O resto você já sabe suas músicas são gravadas e fazem sucesso na boca de outras duplas, como Leandro & Leonardo, mas Zezé não se conforma em ser apenas compositor e pensa em desistir e é neste momento que encontra no irmão Welson (Luciano), 11 anos mais novo, o parceiro perfeito para concretizar a profecia de seu pai. Em 1990 Zezé Di Camargo e Luciano gravam e lançam um disco com a música "É o Amor”, composto por Zezé. Com a ajuda do pai, os filhos de Francisco conquistam as rádios e vendem um milhão de discos. O que o filme tem de mais? Além da cantoria as sempre ótimas atuações de Angelo Antonio, Dira Paes e os meninos até a pouco desconhecidos Mirosmar (Zezé Di Camargo) e Welson (Luciano).
Outro sucesso também tinha como fio condutor à história de vida de um menino. Lembram que Dora é uma camelô de sessenta e poucos anos que luta para sobreviver no Brasil do "real". O mau humor sempre presente e só dobrado com o encontro com Josué que passa a representar para Dora a possibilidade de redenção através da descoberta do afeto e o "rompimento da sua existência viciada e minúscula".
Aos nove anos, Josué é um menino introvertido e precoce. A ausência do pai deu a ele a obrigação de amadurecer antes da hora e de desenvolver um instinto de proteção em relação à mãe, porém um acidente com a mãe devolve-o por um instante à sua própria idade e perplexo perde a capacidade de reagir. "O instinto de sobrevivência e o desejo de conhecer o pai permitem que ele saia do seu estado de catatonia". Fernanda Montenegro faz Dora que escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil. Uma das clientes de Dora é Ana, que vem escrever uma carta com seu filho, Josué interpretado por Vinícius de Oliveira, que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Na saída da estação, Ana é atropelada e Josué fica abandonado. Mesmo a contragosto, Dora acaba acolhendo o menino e envolvendo-se com ele. Termina por levar Josué para o interior do nordeste, à procura do pai. Esse roteiro de Central do Brasil tem a dose certa de melodramaticidade que o brasileiro tanto gosta em seus filmes. Por certo que Central do Brasil é um filme mais cru que "2 Filhos de Francisco" porém mais uma vez a infância pobre e desassistida é o motor da história.
E se aprofundarmos essa visão crítica, verificamos que outro sucesso recente também tem como arrancada à vida de uma criança. Cidade de Deus, o filme, não existiria sem a personagem Zé Pequeno, digo Dadinho.
POR OUTRO LADO
No passado tivemos alguns filmes que mostraram a infância um tanto quanto mais bucólica. "O menino de Engenho", "Meu pé de Laranja Lima" entre outros mostravam um Brasil rude, mas não tão dolorido. Existe espaço para as crianças e natureza no cinema brasileiro. Cássia Borsero que é jornalista e editora do site do Midiativa escreve que cabe "uma reflexão sempre oportuna sobre o que o cinema brasileiro está oferecendo às novas gerações. Não se trata de repisar o conhecido domínio das personalidades da TV - Renato Aragão e Xuxa - como as maiores bilheterias do gênero, sob a batuta da Rede Globo. Existem, é claro, exceção louvável à regra. No entanto, trata-se de buscar uma razão plausível para a inexistência de boas histórias (logo no Brasil, berço de alguns dos melhores escritores infantis do mundo) e para o investimento contínuo na ausência de riscos, ou seja, em produções de retorno garantido e baixa qualidade artística”.
Talvez Tainá seja o melhor exemplo de que é possível fazer um cinema que respeite a inteligência da criança, "sem a dobradinha celebridades infantis-atores globais, e com referências culturais de verdade". Tainá - Uma Aventura na Amazônia nasceu do encanto do produtor Paulo Rovai com as crianças ribeirinhas do Rio Negro, ao gravar o curta "Amazônia Viva - Uma Aventura Mágica", há 15 anos. Ao ver os pequenos brincando livremente com bichos como macaco, papagaio e porco-espinho, Rovai logo pensou em fazer um filme infantil sobre o assunto. Tainá 1 foi lançado em 2000, com direção de Tânia Lamarca e Sérgio Bloch. Atraiu mais de 850 mil espectadores, foi exibido em dez países e ganhou oito prêmios internacionais. A indiazinha foi às telas com a atuação de Eunice Baía. Já Tainá 2 - A Aventura continua segue a mesma linha na luta contra caçadores. Mas, desta vez, a já adolescente Tainá tem como discípula uma indiazinha de 6 anos, Catiti, que a segue pela mata tentando imitá-la como protetora da natureza.
Na verdade filmes bem realizados com orçamentos menores que besteiras homéricas como o que a Cidade Perdida de Igdrasil. Maria da Graça Meneghel tenta fazer um filme que conta que ha milhares de anos, os vickings teriam viajado pelo Atlântico e subido o rio Amazonas, construindo uma cidade subterrânea para defender um tesouro muito valioso. "E lá vivem eles, felizes e loiríssimos, falando sueco (?!), esperando a volta de uma deusa, que é ninguém menos que a própria Xuxa (?)". Poupemos nossas retinas cansadas com tanta sandice.
HOJE ELES NÃO SERIAM FEITOS
A infância e pré-adolescência nem sempre são retratadas com doçura e inocência. Muitas cenas e filmes muito provavelmente hoje não seriam rodados. Cenas como a de Xuxa e o menino que mora no bordel em "Amor, estranho amor" estão hoje fora de cogitação. E veja que ela estava contextualizada no roteiro que trazia as lembranças do jovem em sua infância. Talvez sequer "Lição de Amor" soberbamente interpretado por Lílian Lemmertz continuasse nas prateleiras como romance modernista.
Escândalo por escândalo, o que seria de Lolita o filme de 1962 dirigido por Stanley Kubrick que adapta para as telas o romance de mesmo nome de Vladimir Nabokov. O filme que conta à história da paixão do professor pela pré-adolescente Lolita é tenso e sutil e tinha James Mason como Prof. Humbert Humbert que também é o narrador, Shelley Winters como Charlotte Haze, a mãe e Sue Lyon como a fatal Dolores 'Lolita' Haze.
Prostituição infantil, sedução, sem querer banalizar o uso das parafilias é o tema, por exemplo, de Pretty Baby (Menina Bonita) estrelado por Keith Carradine, Susan Sarandon e Brooke Shields. O diretor Louis Malle enfrentou o tabu social e colocou Brooke Shields então estrelinha de 12 anos na controversa analise da prostituição infantil na virada do século vinte, no legendário distrito red-light, Storyville de New Orleans. Violet (Shields) é filha de uma prostituta (Susan Sarandon) até que um dia o fotógrafo Ernest Bellocq (Keith Carradine) vai ao bordel para fotografar as prostitutas e fica fascinado por Violet, que será iniciada na carreira da mãe.
Já "Taxi Driver" estrelado por Robert De Niro, Cybill Shepherd e Jodie Foster, com direção de Martin Scorsese, é de 1976. Mostra o momento da década de setenta, onde a degradação urbana de Nova York era pontuada por comportamentos nada politicamente corretos. O personagem principal é Travis Bickle (Robert De Niro) ex-combatente do Vietnã e agora motorista de táxi. Apaixonado por uma prostituta mirim, em um misto de amor paterno e protetor e uma dose de insanidade torna-se um "vingador".
Jodie Foster foi ao lado de Brooke Shields a atriz pré-adolescente mais sexualizada e com extenso currículo no cinema norte americano. Por certo que aquele tempo até o fotografo David Hamilton, especializado em fotografar ninfetas também fazia seus filmes (como Bilitis que chegou a ser lançado em vídeo no Brasil), mas o enfoque era outro. Alan Parker, por exemplo, estreou com "Bugsy Malone" (de 1976), que lhe rendeu um BAFTA para o melhor argumento e uma nomeação para a Palma de
Ouro em Cannes. O filme fracassou no Brasil, mas era um hilário musical onde o elenco era todo formado por crianças interpretando papéis de adultos. Uma comédia de gangsteres onde as metralhadoras atiravam chantilly. Jodie Foster mais uma vez era uma cantora/prostituta com um número provocante da canção "My name is Talula". Em 1982 mais uma vez, Parker decide investigar a infância e adapta o álbum dos Pink Floyd "The Wall".
Jodie Foster na verdade Alicia Christian Foster, nasceu em 19 de Novembro de 1962, Los Angeles, e é uma das únicas atrizes infantis em toda a história do cinema a não só a continuar a carreira na idade adulta como também a transformar-se numa profissional do primeiro time, tendo atuado em mais de quarenta filmes. Começou em comerciais (ela era a garotinha do famoso comercial dos bronzeadores Coppertone), passou por séries de televisão e por filmes dos estúdios Disney. Ao sair da Disney teve sua polêmica performance em Taxi Driver (1976), como uma mini prostituta. Mas esta foi somente uma das várias vezes em que estaria por perto dos prêmios da Academia. Foi nominada para o Oscar por sua performance em Bugsy Malone (1976) representando Miss Tallulah, e por The Little Girl Who Lives Down The Lane (1976) na pele de uma jovem assassina, ainda quando pré-adolescente.
UM POUCO DE INOCÊNCIA
Quando falamos em Jodie na ativa, temos que lembrar que Brooke Shields interrompeu sua carreira assim como a artista mirim de maior sucesso de todos os tempos Shirley Jane Temple. Começou sua carreira em Hollywood aos três anos de idade. Ela cantava e dançava em seus filmes e foi um produto de marketing imbatível, com sua marca licenciada em bonecas, fonógrafos, discos, chapéus, roupas, acessórios, etc. Dava
grandes lucros aos estúdios e nos anos 1936-37-38, era nome dos "blokbuster" ao lado de Clark Gable, Bing Crosby, Robert Taylor, Gary Cooper e Joan Crawford. Em 1939, suas popularidade começou a declinar. Talvez seus melhores filmes sejam "Since You Went Away," e "Bachelor and the Bobby Soxer". Interrompida a carreira optou pela diplomacia e foi embaixadora em Gana e Czechoslovakia.
Dessa época de inocência podemos relembrar talentos precoces como Elizabeth Taylor (que contracenava com a cachorra (na verdade um macho) Lassie e Judie Garland que ficou famosa com a sua Doroty em "O mágico de Oz". Dos garotos prodígios o sobrevivente foi Joe Yule Jr mais conhecido como Mickey Rooney, nascido em 23 de setembro de 1920 no Brooklyn, New York. Seus pais eram a garota do coro Nell Carter e o cômico Joe Yule Sr., que atuavam em vaudevilles. Sua estréia, mesmo que acidental, foi aos 17 meses de idade quando interrompeu atuação do pai o que provocou uma explosão de gargalhadas na platéia. Seu futuro estava selado.
Em 1924, a mãe de Mickey decidiu que ele era perfeito para a série Hal Roach's "Our Gang", porém seu primeiro filme foi "Not To Be Trusted" de 1926 onde intrepretava um anão. Foi o número um do "box office actor in the United States" em 1939-41.
LATINOS
Ainda na inocência. Por um certo período as crianças hispânicas e latinas brilharam em nossas telas. Era o fim dos anos cinqüenta e início dos anos sessenta e ninguém esquece da figura de Pablito Calvo, Joselito e de Marisol (essa mais crescidinha).
Joselito, na verdade chama-se José Jiménez Fernández, nasceu em 11 de fevereiro de 1943, em Beas del Segura, Jaén, atuava no rádio e às vezes em público. Foi Antonio Guzmán Merino, consciente do potencial do garoto, que o põe em contato com o produtor Antonio del Amo que se converteria em seu pigmaleão cinematográfico.
Sob sua direção Joselito estréia em El pequeño ruiseñor (1956), filme de baixo orçamento, rodado em preto e branco e que no Brasil levou o título de O Pequeno Rouxinol. Foi um estrondoso sucesso nos países de lingua espânica e até em países pouco receptivos ao cinema espanhol como França, Itália e países árabes.
O sucesso do filme frutificou com Saeta del ruiseñor (1957), El ruiseñor de las cumbres (1958), Escucha mi canción (1958), e El pequeño coronel (1959) todas dirigidas por Antonio del Amo para Cesáreo González / Suevia Films. Demostrada a penetração de seu personajem, Joselito inicia sua aventura americana rodando no México - Aventuras de Joselito en América / Aventuras de Joselito y Pulgarcito (René Cardona e A. del Amo, 1960).
Filmará de novo na Espanha Los dos golfillos (A. del Amo, 1960), El caballo blanco (Rafael Baledón, 1961) y Bello recuerdo (A. del Amo, 1961). Depois vieram as produções européias - El secreto de Tommy / Le secret de Joselito (A. del Amo, 1963) e Loca juventud / Questa pazza, pazza, pazza gioventú (Manuel Mur Oti, 1963), que inicia a sua despedida do personagem infantil que vinha encarnando.
Josefa Flores González, mais conhecida pelo nome de Marisol, nasceu em Málaga a 4 de novembro de 1948. Era apaixonada por cantar e por dança flamenca. Integrou o Coros y Danzas de sua cidade natal. Uma de suas atuações foi televisionada direto da Feria del Campo que se celebrou na capital espanhola em 1959. A jovem bailarina chamou a atenção de Manuel Goyanes, que ofereceu sua primeira oportunidade cinematográfica.
Será Un rayo de luz, dirigida por Luis Lucia, que iniciará seu estrelato infantil e com quem rodará sua trilogía inicial, que inclue Ha llegado un ángel e Tómbola. A natureza acaba por impor sua lei nos anos setenta, e os papéis de garota dão lugar para bela mulher em que a jovem atriz se transformou.
A legendária carreira de Marcelino, pan y vino (1955),que filmou aos 8 anos,o converteu em um mito para a Espanha da pós guerra. Fez outros filmes com Ladislao Vajda e mais cinco com outros diretores. Seu nome, Pablito Calvo. Pablo Calvo Hidalgo nasceu em Madrid a 16 de março de 1949. A sua carreira cinematográfica é curta - em 1954, Marcelino Pan y Vino; 1956, Mi tío Jacinto; 1957, Un ángel pasó sobre Brooklyn, os três de Ladislao Vadja; 1958, Totó y Marcelino, de Antonio Musu, na Italia; 1960, Juanito, de Fernando Palacios; 1961, Alerta en el cielo, de Luis César Amadori; 1962, Dos años de vacaciones, de Emilio Gómez Muriel; 1962, Barcos de papel, de Román Viñoly Barreto, na Argentina. As melhores, inclusive para ele foram, Mi tío Jacinto; e o mítico, Marcelino Pan y Vino. Pablo Calvo faleceu em Fevereiro de 2000 aos 51 anos de idade no hospital de Alicante, em conseqüência de um derrame cerebral.
E mais recentemente, nos anos setenta foi a vez de Carlos Saura nos brindar com “Cria Cuervos”. Geraldine Chaplin era Ana, a mãe, e tinha no elenco a estrela mirim Ana Torrent. A trilha é a inesquecível "Porque te vás" com a também precoce Jeanette.
ESSES SÃO DE MORTE!
Não estamos falando dos moleques endiabrados como “O menino Maluquinho” ou de Mcaulay Culkin em “Home Alone” (Esqueceram de mim) ou de Dennis, o Pimentinha (Dennis the Menace) e sim algo muito mais macabro.
Vejamos, sem as crianças o que seria, por exemplo “O Exorcista” com a terrificante interpretação de Linda Blair. Ou vamos mais longe, quem arriscaria um roteiro como esse - “diplomata preocupado em não chocar a esposa em virtude da morte do seu filho ao nascer lhe oculta o fato e adota um recém-nascido de origem desconhecida, sem saber que a criança era o AntiCristo em pessoa. “ Pois arriscaram e o resultado foi três filmes( ou melhor, quatro).
A Profecia (The Omen) é o primeiro de uma série de três filmes baseados no personagem Damien e foi dirigido por Richard Donner (Os Goonies) e com Gregory Peck no elenco. Damien foi interpretado pelo garoto Harvey Stephens. Os demais são A Profecia 2 (1978) e A Profecia 3 - O Conflito Final (1981). Houve ainda um quarto filme da série, feito diretamente para a TV americana e chamado A Profecia 4 - O Despertar
Se não creio em bruxas, mas... veja só: Ocorreu uma série de acidentes durante as filmagens de A Profecia quando seu título original ainda era "The Antichrist to the Birthmark". O hotel onde o diretor Richard Donner estava hospedado sofreu um atentado com bombas do IRA; o avião do roteirista David Seltzer sofreu um acidente; o ator Gregory Peck cancelou na última hora um vôo para Israel cujo avião sofreu um acidente e todos os que estavam dentro dele faleceram; e ainda os principais atores do filme sofreram um acidente automobilístico quando se dirigiam para rodar uma das cenas do filme.
Stephen King, mestre do suspense e terror também se utiliza de criancinhas um tanto aterradoras como nos filmes “As Crianças do milharal” ou “Cemitério Maldito” porém seu talento aparece em melhor em “Conta Comigo” (Stand by me) uma história sobre companheirismo na infância.
VENDO COM OUTROS OLHOS
Muitos diretores cometeram filmes autobiográficos, retratando as suas infâncias ou relembrando histórias desse período. Federico Fellini negou várias vezes que Amarcord (Itália / França, 1973) fosse um filme autobiográfico, mas concordou que há passagens semelhantes a fatos por ele vividos em sua infância. É por meio da memória do garoto Titta (Bruno Zanin), que Fellini faz um panorama da vida familiar, religião, educação e política dos anos 30, quando o fascismo era o regime vigente. Já a França dos anos de guerra ressurge com um cineasta francês, Louis Malle que filma um episódio de sua própria infância, da amizade bruscamente interrompida pela guerra. Durante a ocupação nazista na França em 1944, Julien Quentin (Gaspard Manesse) é um garoto esnobe que no colégio interno, é rival de Jean Bonnett (Raphael Fejto), um menino reservado e com o tempo a rivalidade entre os dois se transforma em admiração e amizade.
O cineasta sueco Ingmar Bergman filmou, “Fanny e Alexander”, (Suécia, 1982). São cenas de sua infância e o filme apresenta um alegre Natal na família Ekdahl, onde o pai de Alexander (Bertil Guve) e Fanny (Pernilla Allwin) falece. A mãe casa-se com um pastor rígido religioso e as crianças começam a conviver com o padrasto de hábitos severos. Roberto Rosselini nos deu Alemanha Ano Zero (Germania, Anno Zero, Italia, 1947) , onde Edmund (Edmund Moeschke), um garoto de uma família muito pobre, trabalha para sustentar o pai doente, sua pequena irmã e o irmão e que passa a considerar a possibilidade de matar seu próprio pai, para cortar gastos.
Outro clássico é O Balão Branco (Badkonade Sefid, Irã, 1995) Dirigido por Jafar Panahi é um filme de construção plástica onde as imagens traduzem sentimentos. O roteiro de Abbas Kiarostami acompanha a desesperada busca de uma menina que perdeu o dinheiro destinado à compra de um peixinho dourado, símbolo tradicional de sorte e fortuna no ano-novo iraniano.
Outro filme de rara sensibilidade é O Jardim secreto (The Secret Garden, EUA, 1993). Uma refilmagem de Agniezka Holland para o clássico de 1939 que é baseado no romance de Frances Hodgson Burnett. É a história de Mary Lennox (Kate Maberly), que desprezada pelos pais e pelo tio que a acolhe num imenso castelo quando ela fica órfã. A solidão da garota a leva a cultivar secretamente um jardim, com a ajuda do filho de um empregado e do primo que está limitado por andar em cadeira de rodas.
Realmente as crianças no cinema são um assunto sério. A visão adulta transforma lembranças em imagens fortes e buscam resgatar sentimentos. Quando não caem na pieguice são obras primas. Pode-se fazer cinema para e com crianças, mas não se pode fazer baboseiras para toda uma infância quase que perdida. Em tempo “Dadinho é @#%$, meu nome é Zé Pequeno”. Lembrem-se!
Eduardo Cruz
Jornalista e Roteirista