O Senhor Vishnu, junto de Sua ave transportadora, Gadura, encontra-Se com Dhruva Maharaja na floresta.
Satisfeito com Dhruva, o Senhor perguntou se ele tinha qualquer intenção a se cumprir. Tudo estava indo como Dhruva esperava. Seu objetivo impossível agora estava ao seu alcance.
Conflito Clássico
Antes de ouvir a resposta de Dhruva, voltemos à cena onde Dhruva fora proibido de brincar no colo do rei Uttama. Tanto a história como os conflitos são clássicos. De um lado: o pai, a madrasta e “o bom filho”. Do outro: o filho indesejado e excluído do amor e da felicidade de que os outros três gozam.
Porém, o rei Uttanapada, Suruchi e Uttama realmente compartilham de amor e felicidade? Não. Nenhum deles é realmente feliz, e todos os três têm razões para se sentirem inseguros.
Suruchi se sentirá segura da devoção do rei apenas enquanto tenha o charme juvenil de seu corpo. Ela teme sofrer o destino de Suniti e perder as afeições do rei.
O rei, embora ame seus dois filhos, não pode correr o risco de perder o favor de Suruchi. Ele pode governar todos no reino, mas, nas mãos de Suruchi, ele é um animal de estimação. Ela negou seu favor a Dhruva e não se preocupou em esmagar o coração do menino. O rei pode estar pensando: “Suruchi, minha preferida, você seria capaz de fazer isso comigo?”.
Finalmente, Uttama é pequeno demais para entender o que está acontecendo. Tudo o que ele sabe é que ele estava brincando no colo de seu pai e seu irmão Dhruva foi punido por tentar fazer o mesmo. Fico feliz que ele tenha sido poupado, e sentindo-se especial, ele, no entanto, não vê culpa de Dhruva. “Se nenhum de nós fez algo errado e ele foi punido desta vez, serei o punido da próxima vez, papai?”.
Nenhuma dessas três pessoas está recebendo amor real, que é altruísta, incondicional e de fluxo livre. Felizes são aqueles que sabem amar cedo na vida e aprender a alegria de compartilhá-lo. A maioria das pessoas oferece e recebe coisas como sexo, riqueza e poder em nome de amor. E, junto desse tipo de “amor”, vem luxúria, ira, ganância, inveja, ilusão, e loucura. “Os seis inimigos do eu” – é assim que os professores védicos os chamam. E, no fundo, há medo. Por exemplo, Suruchi tem medo por causa de apegos materiais. Quando Dhruva subiu no colo de seu pai, ela o viu não como uma criança inocente, mas como rival de seu filho tentando tomar o trono.
As pessoas que realmente amam não temem perder algo material. Além disso, não se sentem desejosas; são autossatisfeitas. Elas podem ser casadas ou sozinhas, mendigos ou reis, mas elas são livres. Sexo, riqueza, poder ou qualquer coisa material não exercem nenhuma influência sobre elas.
E sobre a busca de Dhruva por amor? Movido pela raiva, ele arrisca sua vida para ganhar um reino maior do que o de seu pai. Todo um planeta para se governar certamente seria uma compensação justa por não poder se sentar no colo do pai.
Como na família de Dhruva, nós, na busca de amor, nos machucamos e nos empurramos para longe um do outro. Tristes são as formas de amor no mundo da matéria. Todavia, o mais triste de tudo é perder ainda a esperança de que o amor verdadeiro exista. Nossos sonhos não realizados de um pai perfeito, uma mãe perfeita, um amante perfeito e um amigo perfeito nos fazem pensar que Deus, o amante perfeito e supremo, talvez não exista.
Dhruva teve sorte. A força de sua frustração, canalizada para a prática espiritual, e o conselho de sua mãe e de seu mestre espiritual, Narada Muni, levaram-no para além do mundo do medo. Ao encontrar o Senhor Vishnu face a face, Dhruva encontrou não apenas o amor que ele tinha perdido, mas a sua própria capacidade de dar amor da mesma forma. Amar é a sua natureza, como é para todos nós. Ele a tinha esquecido, assim como acontece com todos os seres vivos quando se afastam de Deus e do Seu amor. Apesar disso, a natureza original de Dhruva nunca tinha mudado, e a natureza amorosa é a mesma em todos os seres vivos – ela procura expressão, ela motiva uma pessoa a procurar, ela não permite sentir-se satisfeito com o ordinário, o temporário, o limitado. Dhruva ficou satisfeito apenas quando encontrou o ilimitado.
A Resposta de Dhruva
Ao longo de todos os riscos que ele aceitou e de todas as austeridades por ele realizadas, Dhruva acreditava que o desejo do seu coração era ganhar o reino. O que ele poderia conhecer com maior certeza do que seu próprio coração? No entanto, Dhruva descobriu que ele estava errado. Quando ele finalmente se levantou do chão, ele se dirigiu ao Senhor Vishnu com uma oração. Suas palavras, que vieram do coração, foram diferentes do que aquelas que ele havia preparado. Ainda hoje, os devotos do Senhor Vishnu repetem a oração espontânea de Dhruva, que retrata tanto a sua surpresa consigo mesmo quanto a sua alegria esmagadora.
Dhruva, depois de abençoado pelo búzio de Vishnu, ofereceu-lhe orações.
“Ó meu Senhor”, disse Dhruva, “eu queria ser um grande rei e estava realizando severas austeridades para que Você me concedesse esse desejo. Agora, eu obtive Você, o que é muito difícil até mesmo para os semideuses, santos e reis. Eu estava procurando por um pedaço de vidro quebrado, mas, em vez disso, encontrei uma joia absolutamente valiosa. Estou completamente satisfeito, e nada tenho a Lhe pedir”.
O Amor se Expande
O amor a Deus não é apenas a Deus – ele não diminui o carinho que sentimos pelos outros, senão que, ao contrário, aprofunda o carinho, porque somos capazes de amar os outros não por coisas externas, como o seu corpo, e não por algo que eles nos dão, e não somente caso cumpram sua parte do contrato. Um devoto puro, alguém que desenvolveu sua relação amorosa com Deus, pode ver além do condicionamento material dos outros, além de suas características agradáveis e desagradáveis, além até mesmo de sua crueldade, e se relaciona com todos como pessoas espirituais únicas, partes de Deus. Os devotos puros desenvolvem o tipo de intuição que admiramos em histórias de grandes santos e mestres espirituais. Se um devoto puro se sente seguro em sua própria relação de amor com Deus, ele não almeja apreciação dos outros nem se sente prejudicado pela agressividade que possam voltar contra ele. Essas qualidades colocam-no em uma posição única para ajudar os outros.
Suniti, a mãe de Dhruva, foi capaz de aceitar seu destino sem odiá-lo e foi capaz de convencer seu filho a aceitar a instrução valiosa nas palavras de ódio de Suruchi, sem se tornar uma escrava do ódio. Isso significa que um devoto do Senhor deve permitir que outros o pisoteiem? Não. Nem a agressão nem a submissão mansa, por si só, indica avanço espiritual. O que é determinante é a motivação do sujeito.
Um devoto não procura satisfação egoísta, seja por oprimir os outros, seja por ser oprimido para “aproveitar” o status de vítima. Independente de o devoto escolher ser agressivo ou escolher ser manso, sua motivação é servir a Deus e ajudar os outros a encontrar o seu caminho de volta ao Supremo. Ele pode ajudar os outros através de instrução, por exemplo, ou mesmo com a simples presença. Aqueles que tiveram o privilégio de entrar em contato com alguém dotado de verdadeiro amor de Deus, em qualquer fé religiosa, sabem que a presença dessa pessoa eleva os outros ao mesmo plano.
Isso foi o que aconteceu com os membros da família de Dhruva. Ao ouvir a notícia do retorno de Dhruva, o rei Uttanapada correu para fora do palácio para se encontrar com ele. Junto do rei, vieram Uttama, Suniti e Suruchi. Sem reserva, Dhruva foi honrado por ambas as mães, que se prostraram ao chão.
Suruchi o pegou.
“Meu caro rapaz, vida longa a você!”.
Com lágrimas de alegria nos olhos, ela o abençoou.
Suniti, então, abraçou Dhruva carinhosamente, assim como seu irmão Uttama.
Um Rei Honrado
Esta história tem um fim tradicional: Dhruva cresceu em uma família feliz e zelosa e, por fim, tornou-se um grande monarca, amado por todos em seu reino; um reino maior do que qualquer outro que já existira.
O narrador do Srimad-Bhagavatam conclui: “Dhruva não era o mesmo de antes, senão que estava completamente santificado devido a ter sido tocado pelos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Àquele que tem qualidades transcendentais devido à amizade com o Senhor Supremo, todas as entidades vivas oferecem honras tão naturalmente como um rio flui a partir do alto de uma montanha”.
Uma pessoa com amor e devoção a Deus pode fazer a diferença para muitos. Aqueles de nós que têm pouca esperança de encontrar Deus, que sentem como se não pudessem reunir coragem suficiente para se aproximar dEle, meditar nEle ou servi-lO, podem encontrar forças ao saber que outros ganharão com o nosso amor a Deus: nossos parentes, amigos e inimigos, bem como transeuntes na rua – todos os seres vivos do mundo.
Dhyana-kunda Devi Dasi, natural da Polônia, juntou-se ao Movimento Hare Krishna em 1987. Ela e seu marido, Ekanatha Dasa, vivem na fazenda da ISKCON em Almviks Gard, na Suécia. Lá, serve como revisora e tradutora da BBT da Europa Setentrional. Também faz parte de um grupo de representantes internacionais do GBC da ISKCON.
Tradução de Anosha Prema. Todo o conteúdo das publicações de Volta ao Supremo é de inteira responsabilidade de seus respectivos autores, tanto o conteúdo textual como de imagens.