Não Conte Para a Mamãe
Memórias De Uma Infância Perdida
1a. edição, 2012
de Toni Maguire
"Não Conte para a Mamãe" é o relato assustador e, ao mesmo tempo, tocante da pequena Toni Maguire, negligenciada e traída por aqueles em quem mais deveria poder confiar. Um livro de difícil leitura, mas fundamental nos dias de hoje.
Toni Maguire foi estuprada, seviciada pelo pai, dos seis aos quatorze anos. A diferença é que ela tinha certa liberdade, mas estava presa num silêncio aterrorizador. Uma vez tentara contar à mãe, que lhe disse para nunca mais repetir um absurdo daqueles. E diante das ameaças do pai, de que ninguém nunca acreditaria nela e de que no fim ela seria a culpada de tudo, Toni se deixou acreditar naquelas palavras. Ela foi coagida e teve um dos direitos mais antigos do homem (Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante) violentamente negado.
Violentada constantemente pelo pai, chegando a engravidar, Toni resvalou a completa destruição. Sua recuperação e seu reconhecimento como escritora servem de exemplo para crianças e jovens vítimas, todos os dias, de abusos sexuais, mostrando-lhes que é preciso lutar contra essa condição e que é possível vencer a luta.
Escondido pela aparente normalidade de uma família britânica, os abusos sexuais foram relatados para a mãe, quando a garota já não suportava guardar segredo. "Nunca, nunca mais fale disso de novo, está bem?", foi a resposta.
"Eu sentia segurança no amor de minha mãe. Ela deveria ter mandado ele parar. Não mandou", conta no livro. Aos 14 anos, a autora engravidou e foi coagida a abortar, mesmo com uma gravidez avançada.
Maguire confessa que o seu maior desejo é ouvir um pedido de perdão de sua mãe, que está em leito de morte.
O texto, narrado em primeira pessoa, retrata como a pedofilia pode causar danos emocionais permanentes. "Não Conte para a Mamãe" chegou ao topo dos livros mais vendidos na Inglaterra.
Leia alguns trechos
*
Sua boca veio para a minha. Ele forçou a língua pelos meus lábios. Senti sua saliva escorrer pelo meu queixo, e o cheiro de uísque rançoso e o bafo de cigarro entraram em minhas narinas. Minha sensação de segurança abandonou-me para sempre, substituída por repulsa e medo. Ele me soltou de modo abrupto, segurou-me pelos ombros e encarou-me fixamente.
- Não conte para a mamãe - disse ele, dando-me uma breve sacudida. - Isso é um segredo nosso, Antoinette, você ouviu?
- Está bem, papai - respondi. - Não vou contar.
*
- Fique aqui, Antoinette - ordenou. - O papai tem um presente para você. Você vai gostar.
O medo que senti dele se transformou em horror, criando um peso terrível que me prendia ao banco. Ele saiu do carro e trancou o galpão, depois abriu a porta do passageiro. Quando me puxou para encará-lo, vi que o zíper da calça dele estava aberto. Seu rosto estava vermelho, o olhar, vidrado. Quando olhei em seus olhos, ele não parecia me ver. Senti um tremor dentro de mim, fazendo o meu corpo todo estremecer e saindo de mim em forma de choramingo.
*
Depois do que pareceu uma eternidade, ele soltou um gemido e saiu de mim. Senti uma substância quente, molhada e grudenta sobre minha barriga. Ele jogou um pedaço de saco para mim.
- Se limpe com isso.
Sem dizer nada, fiz o que mandou.
As palavras que se seguiram estavam destinadas a se tornarem o refrão dele:
- Não vá contar para a sua mãe, minha menina. Isso é um segredo nosso. Se contar, ela não vai acreditar em você. Ela não vai mais amar você.
Eu já sabia que isso era verdade.
- Ora, Antoinette, quantas vezes vou ter que repetir?
De açúcar e canela, é claro, e de todas as coisas boas!
Pág. 22
um lançamento