Nei Alberto Pies
“Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa
mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo: “Coitado, até essa hora no serviço pesado”. Arrumou pão e
café, deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra
de luxo”.
(Poema Ensinamento, Adélia Prado)
Muitos, como eu, nasceram e viveram
a infância na roça. Eu sinto orgulho de ser um filho da roça, porque a vida no
“interior” me ensinou valores muitíssimo finos e refinados. Na companhia de
árvores frutíferas, animais, nascentes, riachos e lavouras, as pessoas que lá
residem formam verdadeira comunidade. Comunidade quer dizer comunhão,
integração, relação. Esta comunhão se perdeu na vida urbana atribulada e
estressante. Todo o tempo na cidade tem que ser um tempo ocupado. Não temos
mais tempo para curtir o próprio ritmo (do tempo).
Roça é um
lugar de fartura, mas também de muito trabalho. Iludem-se aqueles que pensam
que uma “chácara” é um lugar maravilhoso sem dar muito trabalho. Para quem não
pode oferecer seu trabalho, terá de ofertar dinheiro para que alguém cuide,
zele e organize o ambiente, para poder desfrutá-lo lindo, aconchegante e
organizado. Neste sentido, não podemos romantizar o trabalho de quem cuida da
terra; é preciso reconhecê-lo e valorizá-lo com a grandeza que ele merece.
Quantos, como eu, matam saudades de
sua terra visitando propriedades que ainda resistem em levar adiante um estilo
de vida interiorano! Colhem, no inverno abundante das frutas, o sabor de suas
saudades e recordações. Visitam matas, riachos, casas, salões comunitários, em
busca de algo que um dia deixaram para trás: a simplicidade e a compaixão pela
terra.
Como ilustram os versos acima, os
valores da roça confundem-se com as necessidades mais imediatas de quem lá
reside e faz de seu trabalho e suor o próprio modo de vida. Os pequenos
agricultores ou camponeses ainda preservam os valores da gratuidade e da
reciprocidade que aprenderam na relação com os outros, com a natureza e com o
mundo. Nem tudo na roça tem preço, mas tudo na roça tem o seu valor.
As relações com a natureza,
particularmente através das semeaduras, reservam ao homem e à mulher do campo a
noção do tempo, que é a mesma noção da paciência. Quem espera colher, precisa
saber esperar. Quem espera colher, precisa pacientemente acompanhar a renovação
da vida em cada amanhecer e em cada anoitecer. Quem deseja recuperar a terra,
precisa investir insumos, cuidados e tempo.
Só podem sentir saudades aqueles e
aquelas que já experimentaram a vida da roça. Para estes, são necessárias
brechas em sua conturbada agenda urbana para cultivar flores, frutas,
hortaliças, chás, verduras. Não há nada mais contagiante e gratificante do que
o alvorecer de vidas que dependem de terra, de ar, de água e de cuidados
pacientes e permanentes.
A natureza nos
permite a compreensão da própria existência. A vida na roça nos fornece
importantes aprendizagens sobre os próprios desafios do ser humano. Valorizando
a terra, estaremos sempre valorizando a nossa dimensão de humanidade e
dignidade.
Nei Alberto Pies,
professor e ativista de direitos humanos
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