Lavradores, águas e lavouras
Estudos sobre gestão camponesa de recursos hídricos no Alto Jequitinhonhade Flávia Maria Galizoni (organizadora)
Coleção: Humanitas
2013. 254 p
Dimensão: 22,5 X 15,5 cm
Peso: 380 g
Um riachinho xexe, puro, ensombrado, determinado no
fino, com regojeio e suazinha algazarra – ah, esse não se
economizava: de primeira, a água, pra se beber.
João Guimarães Rosa, “A festa de Manuelzão”
Um riachinho xexe, puro, ensombrado, determinado no
fino, com regojeio e suazinha algazarra – ah, esse não se
economizava: de primeira, a água, pra se beber.
João Guimarães Rosa, “A festa de Manuelzão”
Um riachinho xexe, puro, ensombrado, determinado no
fino, com regojeio e suazinha algazarra – ah, esse não se
economizava: de primeira, a água, pra se beber.
João Guimarães Rosa, “A festa de Manuelzão”
Um riachinho xexe, puro, ensombrado, determinado no
fino, com regojeio e suazinha algazarra – ah, esse não se
economizava: de primeira, a água, pra se beber.
João Guimarães Rosa, “A festa de Manuelzão”
A maior parte das nascentes e das áreas de recargas de mananciais de água doce situa-se em terras altas, secas e pouco férteis, exatamente as mesmas em que se assentam, no Brasil, as comunidades camponesas. Este livro analisa os dilemas surgidos da tensão entre consumo, conservação e regulação da água em comunidades camponesas do Alto Jequitinhonha mineiro. Revela como esses lavradores souberam fazer da fraqueza força, criando alternativas para o uso da água que combinam os preceitos do costume com a pressão da inovação para construir práticas sustentáveis ajustadas às bases culturais, ambientais e produtivas daquela sociedade.
NO PREFÁCIO,
Andréa Zhouri escreve -
Senhores que não conhecem a terra norte mineira, presta
atenção nessa história que ela é toda verdadeira. Estudo
feito com o povo de muitas comunidades, pesquisa de
vários dias pra descobrir a verdade (...) É tudo lugar sadio,
onde nós fomos criados, nascemos e crescemos e estamos
desde os avô mais recuado (...)
Se engana direitinho quem pensa que é tudo igual,em cada
banda do rio cada um é cada qual. Cada qual tem seu
sistema de carpir,plantar e colher,os jeitos são diferentes,
não é fácil de entender.
Cordel dos atingidos pela barragem de Irapé, 1997.
Esses trechos extraídos do cordel sobre comunidades rurais
atingidas pela barragem de Irapé, no Vale do Jequitinhonha,
nos idos anos de 1990, prenunciam, em fina sintonia, o que
nos apresentam os autores de Lavradores, águas e lavouras:
estudos sobre gestão camponesa de recursos hídricos no Alto
Jequitinhonha. Por certo, a coletânea reúne reflexões amadureci-
das ao longo das experiências de pesquisa e extensão do Núcleo
de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar (PPJ) com técnicos
e lavradores do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
(CAV) e o parceiro Centro de Voluntariado Internacional (CeVI).
O foco é o conhecimento e a gestão da água por camponeses do
Alto Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, região conhecida
e estigmatizada como o “Vale da Miséria”. Esse estigma, cons-
truído por olhares distantes à luz da ideologia urbano-industrial
do desenvolvimento que nos dita como deve ser a vida boa de
ser vivida, não se sustenta aos olhares de quem, do terreno, se
presta à laboriosa tarefa de compreender e traduzir os jeitos
diferentes e complexos de ser, fazer e viver na região.
As experiências de lavradores, pesquisadores e técnicos
nos ensinam que os ambientes variam e, com eles, as águas e
as formas com que as famílias de agricultores e comunidades
rurais as utilizam, regulam, distribuem e conservam. Ademais,
as etnografias mostram como as experiências sensíveis e
metódicas elaboraram inovações a partir das tradições, numa
tessitura complexa e desafiadora que, calcada na prática, lança
olhos para o futuro, rumo à sustentabilidade.
A observação sistemática e a experimentação dos ambien-
tes possibilitaram entre as comunidades de agricultores um
aprendizado na prática, no sentido de Tim Ingold, que revela a
construção de um sofisticado conhecimento em relação aos seus
ambientes de viver. A aparente aridez e destituição do meio, a
partir de uma aproximação metódica, faz emergir um complexo
universo que resulta do entrelaçamento das gentes com os lugares,
configurando a sociobiodiversidade da região.
Em um meio classificado como característico de clima semi-
árido, a água assume lugar central e está em disputa. Como de
resto, em muitos lugares do mundo, a água está no cerne dos
conflitos ambientais da atualidade. Mas o debate contempo-
râneo sobre a “escassez” de recursos, sobretudo a escassez da
água, permite a contestação da ideia naturalizada de que isso
seja um fenômeno de origem apenas física e geológica. Análises
antropológicas, como as de Marshall Sahlins, desde os anos de
1970,ensinam que,para além de um componente físico-natural,
a escassez de recursos é fenômeno social e politicamente cons-
truído, resultado de escolhas culturais e de disputas políticas
entre grupos humanos.
No Brasil, a recente história acerca da “escassez” de água
remete, entre outros, ao fenômeno da modernização conserva-
dora da agricultura. No caso do Jequitinhonha, esse fenômeno
remonta à década de 1970, quando programas de desenvol-
vimento fomentados pelo governo, por meio de incentivos e
benefícios fiscais,levaram para a região as empresas de eucalipto.
Com base numa perspectiva político-econômica, voltada para a
exportação de commodities, e tributária de uma visão do cerrado
como meio destituído, física e socialmente, as monoculturas
de eucalipto foram instaladas nas chapadas, ocasionando a
destruição da vegetação nativa com consequente expropriação
e grilagem das terras comunais. Essa tomada da chapada pela
exploração industrial do eucalipto,de resto,uma planta exógena,
teve ainda como efeito a intensificação do uso da terra nas grotas
e o desmatamento da vegetação nativa nos mananciais e em suas
áreas de recarga, como analisam os autores.
A partir da década seguinte, nos anos de 1980, a situação é
ainda mais agravada pelos projetos de barragens hidrelétricas
que passam a demandar as áreas das grotas e fundos de vales,
ocasionando, assim, um verdadeiro encurralamento da popu-
lação, agora pressionada nas chapadas pelas monoculturas de
eucalipto e nas grotas pelas hidrelétricas.
LANÇAMENTO DA
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