Na imensidão dos campos 2
(Quarenta anos depois)
Para Eduardo Venera dos Santos Filho
Nessa imensidão verde azulada, longínquos quadrados do amarelo mais puro que se possa imaginar. Empolgo-me, vibro, penso que é trigo, que finalmente vou ver a cabeleira dourada de um trigal, amor, aquilo lá é mesmo o trigo que os escritores europeus descrevem? Não, não é, são apenas campos de soja, o que também não deixa de ser magnífico, já que soja também é algo encantado, algo misterioso, surgido tão recentemente e que ainda não deu entrada no nosso vale. É uma planta estranha, que se planta para exportar aos japoneses e estadunidenses e que eu não sabia direito para o que servia.
Os quilômetros correm depressa, depressa, meu amor, quero ver um campo de soja de perto. Será que há algum na beira da estrada? Parece um milagre, uma nota dissonante na harmonia do dia, o acharmos esses quadrados de terra cultivada dentro da imensidão dos campos onde tudo o que existe nasceu sozinho e cresceu por conta própria. Onde está o homem que semeou a soja? Não podemos vê-lo, nem à sua morada, nem à fumaça que sobe da sua morada. O campo é infinito e o esconde em algum lugar que desconhecemos, mas sabemos que ele existe, e que já marcou sua presença na terra quando semeou a soja. A soja fala dele, e vai levar a realidade da sua existência até muito longe, até além do mar, até pessoas desconhecidas que irão se alimentar dela. Talvez algum pintor passe pela mesma estrada que nós e transfira para a tela a maravilha do dourado da soja, e então o homem desconhecido vai se tornar perene em alguma parte do futuro.
Não descobrimos o homem, mas estamos chegando à sua obra. Eu exulto diante do desconhecido; você exulta por poder me lavar ao desconhecido; exultamos porque temos tanta vida e um campo de soja tão dourado quanto o sol que brilha lá em cima. A plantação de soja corre à nossa esquerda e parece interminável – os pezinhos são pequenos como os de feijão e, sem nenhuma ilusão de ótica, posso ver que rescendem a ouro e a sol, que são completamente dourados. Falamos, conversamos sobre a utilidade da soja, sobre a repulsa que temos em usá-la como alimento, sobre os pratos que os japoneses preparam com ela e dos quais você ouviu falar.
O campo de soja fica para trás. Três Barras é uma interrogação a cada curva do caminho, já andamos mais de uma hora sem descobrirmos onde se esconde a nossa meta. Afinal, no meio do campo deserto, surge algo inesperado – uma indústria razoavelmente grande, toda jovem e ruborizada como uma mocinha de quatorze anos. Ela parece ter surgido do nada, ter germinado de uma semente estranha, caída do céu numa noite azul de lua cheia (...). Não há cidade, nem vila, nem nada (...).
(Vivido e escrito em 1973)
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
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