quarta-feira, 31 de agosto de 2011

artigo - Oiticica - Um Breve Depoimento


Oiticica - Um Breve Depoimento

Festival de Inverno da Universidade católica do Recife,
julho de 1979.


Entre os convidados, Hélio Oiticica para realizar experiências com
“parangolé” e fazer uma rápida retrospectiva de sua obra através de
slides. Eu estava no festival realizando uma pequena exposição que...
tinha um pé na arte conceitual e outro na arte construtiva, com o
título “Manias de Narciso”, que muito impressionou o Oiticica.
Conversamos muito sobre arte, a partir daí.

No seu trabalho com “parangolé”, queria um público da periferia,
marginal, livre de influências culturais acadêmicas, já que via na
marginalidade uma idéia de liberdade. Sem dúvida, era um inventor que
mantinha certo domínio intelectual sobre seu próprio trabalho. Sabia o
que queria e não queria fazer qualquer coisa. Uma noite circulamos
pela periferia da cidade do Recife, na busca de uma escola de samba,
Oiticica, Paulo Bruscky, Jomard Muniz de Brito e Almandrade. Uma
aventura, papos e papos pela madrugada a dentro, de bar em bar nos
arredores da cidade. A vida e a arte, os agitados anos de 1960, a
mangueira, a tropicália, Londres, Nova York etc. A arte era, para ele,
uma experiência quase cotidiana contra toda e qualquer forma de
opressão: social, intelectual, estética e política. Na projeção de
slides na Universidade Católica, as ilustrações dos papos da madrugada
anterior, as imagens de uma obra que a arte jamais se livrará. Arte
concreta, neo-concreta, penetráveis, ambientes coloridos, bólides,
arte ambiental, tropicália etc.

No princípio era Mondrian, Malevith, depois Duchamp. Uma trajetória
exemplar na arte brasileira. Uma tensão entre fazer arte e habitar o
mundo. Foi assim, uma das últimas performances do Hélio. Quase oito
meses depois, misturado com suas obras na solidão de um
apartamento/ninho/penetrável, agonizou por três dias vítima de um
derrame cerebral. Ficou a lembrança de uma brilhante e discreta
presença num festival de inverno em pleno calor do nordeste
brasileiro.

Almandrade (artista plástico, poeta e arquiteto) Suplemento Literário, Belo Horizonte, novembro de 1997

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