terça-feira, 31 de março de 2009

MARÇO - MÊS DA POESIA


Arado
A.M. Pires Cabral
13 Euros; 88 pp.

IRMÃ COTOVIA
I
Vive rente ao solo e é no solo

que faz o ninho e sacia a fome
com as coisas do chão e em silêncio.
Porém, quando precisa de cantar,

muda de elemento: deixa a terra, sobe ao ar,
altíssimo, até onde
nenhum outro pássaro se arrisca.
Dir-se-ia
que sobe a um palco.
Então, dos limites do voo, quase imóvel,
vai derramando breves, repetidos
jorros de júbilo, assim como quem diz:
vejam como estou alto, sustentada

por tão frágeis asas.
Depois que desafogou o peito

das inadiáveis premências da voz,
apeia-se, torna ao solo,
dissimula-se na cor parda da terra,
como se nunca tivesse voado.

A.M. Pires Cabral, in Arado

A.M. Pires Cabral nasceu em Chacim (Macedo de Cavaleiros) em 1941. Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra. Foi Professor do ensino secundário em Vila Real, animador cultural, co-organizador das Jornadas Camilianas. Publicou até ao momento cerca de quatro dezenas de títulos de poesia, teatro, romance, conto, ensaio e crónica. Nos livros Cotovia publicou o romance O Cónego (2007) - distinguido com o Grande Prémio da Literatura DST - e os livros de poesia Douro: pizzicato e chula (2004), a que foi atribuído o Prémio D. Dinis - Fundação da Casa de Mateus, As têmporas da cinza (2008) e Arado (2009).

aluimentos
Bénédicte Houart
13 Euros; 80 pp.

o meu carteiro, adoro-o
se me traz facturas saldos bancários
zero na conta a ordem
menos que zero na conta a prazo

poupanças nada e
crédito disparando
faz várias perninhas ali mesmo
no átrio em cima do tapete
desculpando-se com habilidades várias
de modo que eu
ansiosa pelo seu toque
visto-me como quem não quer, mas quero
e peço-lhe mordiscando-lhe a orelha: por obséquio
mais papelada amanhã
dessa que me agiganta até
transformar-me em nada
onde nos desencontraremos

Bénédicte Houart, in aluimentos

Imprensa sobre os livros anteriores:

Esta poesia, simultaneamente subtil e rude, cumprirá a sua estrada de Damasco, incompreendida por certa crítica fascinada por fogachos formalistas, que é o que aí mais se vê.
Torcato Sepúlveda, Público, 19/11/05

“Enquanto poeta, gosta de se colocar no lugar da observadora… Fala de morte como um velho, do sexo como uma prostituta, das mulheres como um homem”.
“E trabalha de várias formas a mesma frase… à procura da palavra exacta mesmo quando essa palavra é a morte, o fim de to
das as possibilidades. E esse é um tema recorrente na sua poesia. A morte e as mulheres ou a mulher, no singular.”
Isabel Lucas, Diário das Notícias, Sábado 8 de Março de 2008.

“Na poesia portuguesa contemporânea… o primeiro livro de Bénédicte, ReconhecimentoVida: Variações, que acaba de sair na Cotovia, confirma essa autonomia desassombrada, nos desequilíbrios como nas asperezas,”
Alexandra Lucas Coelho, Ípsilon, Sexta-feira 04 de Abril de 2008.
(Angelus Novus / Cotovia, 2005), foi uma descoberta desconcertante. Não tinha pares muito evidentes.

http://www.livroscotovia.pt/livros/poesia/aluimentos.htm




Do Princípio
Pedro Braga Falcão
14 Euros; 124 pp.

X

A sinceridade dessa gata,
de um tigrado quase infinito,
delicada como alegre jogo
de crianças adormecidas,
lembra-me, à tarde,
quando ouço pianistas,
uma única varanda
e uma única janela.
Como solstícios de inferno
o repuxo abre-se em luz.
Tomara o canto fosse nosso
sem searas e sem ciprestes.

Pedro Braga Falcão, in Do Princípio

Pedro Braga Falcão nasceu em 1981. Mestre em Estudos Clássicos (Literatura Latina) pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica e licenciado pela Escola Superior de Música, de Lisboa. É professor na Universidade Católica de Lîsboa e instrumentista (Viola de Arco) na Orquestra de Câmara Portuguesa. Traduziu recentemente as Odes de Horácio (Cotovia, 2008). Do Princípio é o primeiro livro de poesia que o autor publica.

imprensa sobre o autor:

"[...] Por exemplo, a Cotovia tem feito um trabalho notável, há pouco publicaram as Odes de Horácio. Não sei quantas pessoas compraram. E a tradução é boa. É feita por um rapaz muito novo que eu não conheço, terá 28 ou 29 anos, certamente será muito melhor daqui a vinte anos, mas a tradução já é muito boa."
António Lobo Antunes, em entrevista em exclusivo para o site: http://www.ala.nletras.com/entrevistas/18022009.htm, a 18 de Fevereiro 2009

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