quarta-feira, 21 de março de 2018

[Lançamento Editora 34] NUVENS, único livro de poemas de Hilda Machado

Nuvens
Hilda Machado




Coleção Poesia | 96 p. | 14 x 21 cm | 137g |

Quantos poetas passam pela vida sem jamais publicar um livro? Quantos poemas escritos nunca chegam aos leitores? Hilda Machado, pesquisadora e cineasta nascida no Rio de Janeiro em 1951 e falecida em 2007, foi professora na Universidade Federal Fluminense, com passagens por universidades estrangeiras, e diretora premiada em festivais de cinema nacionais. Paralelamente, desenvolveu um trabalho poético de dicção muito pessoal, entre o melancólico e o autoirônico, de teor fortemente visual e que parece assumir a montagem cinematográfica como procedimento poético por excelência — “Discreta voyeuse/ o sofá combinando com o tom das exegeses/ a polidez dos móveis, avencas, decassílabos, filmes russos/ perífrases sobre paninhos de crochê/ e em vez de carne poemas no congelador”.
Em vida, Hilda Machado publicou apenas dois poemas. Deixou, porém, além de manuscritos esparsos, este Nuvens, que ela mesma organizou e chegou a registrar na Biblioteca Nacional, claro sinal de que considerava publicá-lo um dia. É o que agora se realiza, graças à colaboração de Angela Machado, irmã da autora, e ao empenho do poeta Ricardo Domeneck, que assina o texto de apresentação do volume.
Sobre a autora_Hilda Machado nasceu no Rio de Janeiro em 1951. Fez mestrado em Artes pela USP (1987), doutorado em História Social pela UFRJ (2001), e foi professora na UFF a partir de 2002. Estudou direção de cinema na Escuela Internacional de Cine y Televisión em Cuba (1989) e atuou como pesquisadora em várias universidades e instituições no Brasil e no exterior, como a New York University (1993) e a University of London (1998-1999). Em 1987 recebeu o prêmio de melhor direção nos festivais de cinema de Gramado, Recife e Rio de Janeiro pelo curta-metragem Joílson marcou, com trilha sonora de Itamar Assumpção. Além de vários artigos e ensaios sobre cinema, publicou em 2002 o livro Laurinda Santos Lobo: artistas, mecenas e outros marginais em Santa Teresa (2002). O livro de poemas Nuvens, organizado pela autora e datado de julho de 1997, permaneceu inédito até agora. Morreu em São Paulo em 2007.
Texto de orelha_
Por Flora Süssekind

Este livro é precioso. Não só pela reunião de textos que introduz na literatura brasileira contemporânea uma poeta cuja produção, em vida, só chegou a pouquíssimos leitores, mas enquanto registro do impacto que um poema pode ter, que o diálogo silencioso entre dois poetas pode ter. Neste caso, o impacto de um poema de Hilda Machado — “Miscasting” — sobre outro poeta — Ricardo Domeneck, que reconheceu, desde a sua primeira leitura, a singularidade dessa voz, o que o levaria a se perguntar quem seria essa escritora (que infelizmente descobrimos tardiamente) e, em seguida, a retraçar a sua trajetória e procurar novos textos, reunidos aqui, depois de alguns anos de busca.
Como Domeneck, também não conheci Hilda Machado. Não que algum tipo de intimidade prévia se imponha como complemento afetivo necessário à leitura de sua poesia. Nem que, por outro lado, em se tratando de contemporâneos, e, no meu caso, vivendo na mesma cidade, isso não pudesse ter acontecido. Mas não aconteceu. Nunca a vi no Bloco das Carmelitas, em Santa Teresa, ou esbarrei com ela pelo Rio, como contaria a pesquisadora Isabel Lustosa, em crônica de 2010, comentando o seu espanto ao saber da morte precoce e voluntária da poeta e professora de cinema da UFF, que acontecera três anos antes.
Quanto aos escritos de Hilda, além do livro sobre Laurinda Santos Lobo (referência para os estudos sobre os salões artísticos no Brasil do começo do século XX), de sua produção como pesquisadora cinematográfica, e dos roteiros de seus dois curtas-metragens, até hoje só se conheciam mesmo os poucos poemas divulgados na primeira década dos anos 2000 pelas revistas Inimigo Rumor e Modo de Usar. A qualidade e o pathos satírico-meditativo desses textos fizeram, no entanto, supor e desejar a existência de outros com potencial semelhante e impuseram a busca por novos originais, o que, em 2017, resultaria na localização, com ajuda da família da autora, de manuscritos inéditos, entre os quais se encontrava este Nuvens, registrado pela poeta junto à Biblioteca Nacional em 1997.
Para além das três escritoras (Adélia Prado, Hilda Hilst e Orides Fontela) explicitamente referidas por ela em “Poeta” (“que a minha inveja é só de mulher e absinto/ pra eu beber em cálice”), é intrigante observar como se reconfiguram, neste corpus, questões encaminhadas de modo próprio por poetas de sua geração, como a da dicção falsamente íntima de Ana Cristina Cesar (cujos “augustos”, aliás, parecem ecoar nos “ricardos” de Hilda Machado), como a do humor resultante, no caso da poesia de Lu Menezes, de elaboradíssima tensão entre movimento reflexivo e imagem sonora e visual, como a da relação entre sujeito e paisagem, trabalhada em suas contradições por Angela Melim, por exemplo. Porque há em Hilda Machado essas dimensões e — via drama do eu, humor dis juntivo e presença do mundo — complexifica-se a dicção, ao mesmo tempo que se sublinha autoironicamente (“sutiã e cinta-liga”, “renda negra e chicote”, “unha pintada”, “garra”) o gênero dessa voz.
A um primeiro olhar, alguns dos novos originais contrastam um pouco com os já conhecidos, sobretudo a série de notações poéticas breves sobre lugares, atmosferas e diferentes formações de nuvens, nas quais a concisão trava, em parte, a expansão imagética e a autodramatização irônica dos poemas mais longos. No entanto esses exercícios de observação do céu dialogam (sem muito alarde) com os outros textos, mais expansivos, e por vezes acabam se dramatizando, não sem humor, em “nuvens erráticas devorando rivais” e “bacantes drapejadas de vapor” despedaçando Orfeu (e a poeta revisitando, assim, a imagem-guia do seu curta-metragem de 1973, Como era gostoso o meu burguês). O céu chega mesmo a ser belamente deslocado para o chão da sala em “Um homem no chão da minha sala”, e a paisagem a se transformar em confidente muda — “ouviu, montanha?”, “palmeira, ouviu?”. Nem sempre pesado e baixo, como o do spleen baudelairiano, e no entanto a rigor em ressonância com ele, seria, não à toa, ao céu que se dirigiriam, aliás, as perguntas finais de “Miscasting”, espécie de poema-síntese de Hilda: “oh céu brilhante do exílio/ que terra/ que tribo/ produziu o Teatrinho Troll colado à minha boca/ onde é que fica essa tomada/ onde desliga”.

Nenhum comentário: