Já dura quase um mês o impasse sobre a transferência da presidência pró-tempore (PPT) do Mercosul. Durante todo o mês de julho, os governos da Argentina, do Brasil e do Paraguai fizeram gestões para impedir que a Venezuela assuma a presidência do bloco, contrariando o Tratado de Assunção, que estabelece rotatividade por ordem alfabética a cada seis meses. Como não há a figura institucional de um presidente do Mercosul, o país encarregado da PPT é responsável por convocar, organizar as pautas e sediar as reuniões durante seu turno.
O Paraguai está na linha de frente das posições mais duras contra o governo de Nicolas Maduro, reclamando a aplicação das cláusulas democráticas tanto no Mercosul, quanto na Organização dos Estado Americanos (OEA). Brasil, Argentina e Paraguai tentam ainda reverter a adesão plena da Venezuela por meio de um artifício, ao argumentarem que aquele país não cumpriu o prazo para a adequação normativa às regras da tarifa externa comum e que, portanto, não seria um membro pleno e não poderia assumir a presidência pro tempore. A rigor, as duas medidas não estão relacionadas. Não há nenhuma sanção prevista se as normas não estiverem plenamente internalizadas dentro do prazo inicialmente estipulado.
As primeiras sinalizações em direção a este impasse aconteceram ainda no início do mês passado, quando, diante do desacordo por parte dos outros três membros do bloco, o Uruguai adiou uma reunião prevista para o dia 11 de julho e remarcou a transmissão da presidência para 30 de julho, durante encontro do Conselho Mercado Comum. Contudo, no final da semana passada, diante da continuidade do impasse, o governo uruguaio cancelou a reunião do CMC e declarou, por meio de nota oficial, que seu turno na presidência do Mercosul estava encerrado.
A posição uruguaia foi coerente com sua argumentação de que não há base jurídica para impedir a posse da Venezuela. Seguindo a rotatividade por ordem alfabética, o presidente, Nicolas Maduro, declarou na última segunda-feira que assumiu a presidência do bloco a partir daquela data. Contudo, o ato não foi reconhecido por Brasil, Argentina e Paraguai. Na segunda-feira, Serra enviou uma carta aos membros do bloco, na qual criticou a decisão uruguaia e afirmou considerar que a presidência do bloco se encontra vaga.
Nesta quinta-feira, 4 de agosto, os chanceleres Eladio Loizaga (Paraguai), Susana Malcorra (Argentina) e o interino José Serra autoconvocaram uma reunião na sede do Mercosul em Montevidéu, sem a presença de representantes venezuelanos. No Brasil, o chanceler interino declarou à imprensa defender que os embaixadores do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai formem um conselho informal para presidir o Mercosul nos próximos seis meses. Não há nenhuma base jurídica nos documentos do Mercosul para uma eventual solução deste tipo.
Em comunicado divulgado nesta semana, a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, principal articulação sindical no âmbito do bloco, denunciou a ideologização por parte dos países que vêm impedindo o funcionamento institucional deste e acusou um golpe em curso no Mercosul, dada a ausência de base jurídica para impedir a presidência venezuelana.
Vale lembrar que, juridicamente, em tese, o único caminho para impedir a presidência venezuelana seria uma suspensão com base na cláusula democrática, mas não é este o caminho que está sendo trilhado por Brasil, Argentina e Paraguai. A linha do governo interino brasileiro tem sido levantar artifícios sobre a própria adesão plena da Venezuela, que sempre foi contestada pela oposição conservadora no Brasil. Ou seja, o impasse no Mercosul é sobretudo político e, em certa medida, traz analogias com o próprio golpe no Brasil.
Referendo revogatório na Venezuela
Nesta última segunda-feira, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) confirmou a coleta de assinaturas equivalentes a pelo menos 1% do eleitorado do país, requisito necessário para dar continuidade à iniciativa movida pela oposição venezuelana, agrupada na Mesa de Unidade Democrática, para convocar um referendo revogatório do mandato do presidente Nicolas Maduro.
A partir deste anúncio, a oposição precisa fazer uma nova solicitação ao CNE para dar início à nova coleta de assinaturas, desta vez de no mínimo 20% do eleitorado. Uma vez recebida a solicitação, o CNE terá 15 dias para verificar se o documento cumpre com os requisitos necessários e outros 15 dias para determinar os locais desta nova coleta de assinaturas durante três dias.
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