“Foi
numa noite de gala, aniversário do príncipe regente, que D. Pedro viu no palco,
pela primeira vez, a bailarina entontecedora. Era uma francesinha de matar.”
Paulo Setúbal in As Maluquices do Imperador
ROMANCE HISTÓRICO
QUANDO A VERDADE SE CONFUNDE COM A FICÇÃO
Costumamos pensar que o romance histórico é uma típica
narrativa dos que se socorrem dos fatos para dar asas a seus floreios
ficcionais. Talvez pudesse ser verdade, não fosse o empenho de grandes autores
em procurar aproximar as informações históricas, muitas vezes maçantes,
bordadas de datas e acrescida de pinduricalhos, como notas de rodapé do grande
público. Não fosse assim, poucos teriam a oportunidade de entender melhor a
história de seus países. O romance histórico também é um fenômeno pop, uma vez
que é a base para muitas das adaptações de sucesso para o cinema e a televisão.
Muitos ousam demais e “romanceiam”, glamourizando personagens muito mais
desinteressantes. De uma forma ou outra, realmente fica difícil para qualquer
um de nós saber o diálogo ocorrido, nessa ou naquela alcova, ou ainda o último
suspiro de um bravo herói (isso se ele realmente foi um herói).
Mas o romance histórico para nossos teóricos, tem
origens muito claras e certificação de legitimidade nos compêndios de teoria
literária. No Brasil, podemos dizer que o romance urbano é a prosa romântica
que inaugura a publicação do romance de ficção. Sua característica principal é
levar ao leitor os costumes sócio-culturais da sociedade. Por condição cultural
para nós ele retrata, em especial, a sociedade carioca da primeira metade do
século XIX. No seu ‘verbete’ de prosa o romance indianista se faz presente,
juntamente com o romance regionalista ou rural. Porém nosso alvo é o romance
histórico em si mesmo, que seguiu da mesma forma a linha de valorização
nacional. “O romance histórico relata episódios históricos ocorridos no Brasil
desde o inicio da sua valorização.” E quais seriam os seus maiores exemplos?
Aqueles que cairiam em qualquer vestibular – os de José de Alencar : "A
guerra dos Mascates"; "Minas de Prata" e o "O
garatuja".
Se pensarmos que o romance histórico é a prosa narrativa
ficcional cuja ação decorre no passado, essa literatura cuja ação decorre no
passado histórico, ao nosso ver, sempre foi abundante. Porém cabe a muitos
teóricos a sacralização de Walter Scott como o iniciador da tradição moderna
que situa esse tipo de romance, que pode ser de amor, em um passado que tem
como base fatos reconhecidos. Nossos patrícios portugueses acreditam que “o uso
que este autor fez dos pormenores históricos e as subseqüentes imitações que
escritores europeus desenvolveram da sua técnica, levaram a que o gênero
prosperasse.”
Os romances passam da ação ao envolvimento romântico
sem deixar de ter as inserções históricas que registram fatos, datas e locais.
E assim, dessa forma, temos o gênero utilizado por Alessandro Manzoni, Victor
Hugo, Charles Dickens, James Fenimore Cooper e, em Portugal - Alexandre
Herculano, nosso mais destacado autor seguido por Almeida Garrett. Já no século
XX, ainda em Portugal, temos outros destacados autores que se dedicam ao
romance histórico e é importante citar, Carlos Malheiro Dias, Fernando Campos,
Seomara da Veiga Ferreira, João Aguiar, Mário de Carvalho, e mais recentemente,
alguns romances de José Saramago, com o
mesmo tratamento.
ENTENDENDO O PROCESSO
Segundo Heloísa Costa Milton, o romance histórico é
leitor singular dos signos da história. A história, como discurso, pré-existe
ao romance histórico e os signos da história são retomados pelo romance
histórico para multiplicar seus significados. Ele “recupera os signos da
história do universo da afirmação científica para o espaço da existência
humana, onde foram motivados e onde são recarregados da ambigüidade original.”
Vera Follain de Figueiredo (Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro - UERJ, Professora de Literatura Brasileira da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro) escreveu um estudo interessante, onde
faz uma reflexão sobre o romance histórico contemporâneo no Brasil e na América
Hispânica, partindo das origens no século XIX europeu, para traçar a trajetória
do subgênero na América Latina. Para ela, o romance histórico surge no século
passado, numa atmosfera em que uma série de transformações sociais, políticas e
econômicas ocorridas na Europa, fazem com que o homem comum, as massas
populares se sintam num processo ininterrupto de mudanças com conseqüências
diretas sobre a vida de cada indivíduo. “Na América Latina, o século XIX também
foi marcado pelo surgimento de uma literatura de fundação, de narrativas que
buscavam inventar uma tradição (...) A visão de história que importávamos do
Ocidente europeu criava impasses para a compreensão da realidade das nações
recém-independentes.
A ilusão de uma tradição contínua entrava em choque
com as experiências vividas num passado relativamente recente”. Dessa forma ela
inclui de José de Alencar (sempre ele) as obras Iracema e O Guarani que,
segundo a autora, refletem esse impasse. De um modo geral, “seguindo os
procedimentos de toda literatura de fundação da nacionalidade, inclusive a
européia, a narrativa romântica latino-americana, procurando elipsar os traumas
da conquista ibérica e criar imagens que nos aproximassem do modelo de
civilização européia, teve de trabalhar mais com o esquecimento do que com a
memória para transcender a diversidade que nos constitui, visando nos emprestar
uma face homogênea”.
Mario Miguel González (Professor Titular de
Literatura Espanhola da Universidade de São Paulo; Graduado em Letras na
Universidad Católica de Córdoba) nos escreve em seu ensaio O romance que lê
as leituras da história, que as relações entre a literatura e a história
foram sempre “ muito importantes e, ao mesmo tempo, bastante pacíficas”.
Acredita que as oposições conflitivas entre ambos os fenômenos decorrem, antes
de mais nada, de “polarizações nascidas, talvez, de perspectivas decorrentes de
vícios profissionais”. Se bem escreve quem bem descreve, a atitude do leitor
perante ambos os textos - historiográfico e literário - será diferente.
Continua Miguel Gonzáles “o leitor do texto historiográfico estará à procura do
sentido único pretendido pelo historiador, ou seja, daquilo que, para este, é a
verdade dos fatos. Já o leitor do texto literário terá um papel muito mais
complexo, pois deverá construir "seu" texto, escolhendo um (ou
alguns) dentre os múltiplos sentidos que o texto literário pode apresentar.” Em
seu saber explica que a ficção narrativa em prosa levou muito tempo até atingir o status de
gênero literário, como salienta Antonio Candido no seu ensaio "Timidez
do romance" (CANDIDO, 1989, p.82-99). Isso acontece “pelo fato de não
ter tido o romance um precedente consagrado entre os gêneros clássicos, como a
poesia lírica, a poesia épica, a tragédia ou a comédia”. O precedente do
romance está principalmente, na falsificação da história. Geoffrey de Monmouth,
em sua Historia Regum Britanniae, da primeira metade do século XI, “é
dos primeiros a realizar essa falsificação quando, utilizando um nome do
passado bretão, Artur, faz deste uma personagem, a figura protagônica de uma
história falsa que, ancorada na mitologia, substitui a épica e se espalha pela
Europa. A chamada "matéria de Bretanha" permite que cada escritor vá
acrescentando sua invenção, até que acaba sendo construído, séculos depois, o
universo fantástico das novelas de cavalaria ibéricas.”
Mário
Maestri, Doutor
em história pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, e professor do
Programa de Pós-Graduação em História da UPF em seu ensaio História e romance
histórico: fronteiras, levanta uma interessante questão - de que através de
recursos artísticos, “e eventualmente, sem penetrar a essência do passado, a
ficção de cunho histórico sugeriria, errônea e perigosamente, a possibilidade
da literatura substituir a história. A má vontade da historiografia com o
romance histórico deve-se também a compreensível despeito. A narrativa
ficcional possui abrangência de público e sobrevida temporal dificilmente
alcançada pela historiografia, contribuindo, devido às características
assinaladas, mais do que a última para a formação das representações de uma
comunidade sobre o passado.” Cita então os dois volumes do romance histórico O
continente, de Érico Veríssimo, sobre as origens do Rio Grande do Sul, que
venderam, de 1949 a 1972, aproximadamente 100 mil exemplares, tiragem jamais
sequer aproximada por trabalhos historiográficos sobre o tema. O jornalista
Luiz Carlos Merten em artigo sobre Veríssimo (Os 50 anos do maior romance
histórico já escrito no Brasil ) nos apresenta as opiniões de Flávio
Loureiro Chaves que relembrava , “se o primeiro volume de O Tempo e o Vento
apareceu em 1949, Érico desde os anos 30 acalentava o projeto grandioso de
contar uma saga do Rio Grande. Mas ele não tem certeza de que a trilogia nasceu
metalingüística, um livro sobre um livro que está sendo escrito, verdadeiro
jogo de espelhos, ou se adquiriu esse formato durante o processo. Seja como
for, a primeira frase de O Continente é também a última de O Arquipélago, o
volume final da trilogia, quando Floriano Cambará, o alter ego de Érico,
senta-se e escreve: "Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas
cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um
cemitério abandonado." Érico Veríssimo fundou um padrão para o romance
histórico contemporâneo e não apenas brasileiro. São 2 mil páginas que resgatam
o passado do Rio Grande do Sul e o fazem refluir à memória, abrangendo mais de
200 anos numa extensa reflexão sobre a identidade brasileira.
"Embora esteja ancorado na História
e faça a crônica de seus episódios, o romance não pode ser discurso histórico,
sob pena de deixar de ser literatura", diz Chaves. E precisamente porque
não bastam os manuais escolares e os compêndios de exaltação cívica, os autores
recorrem ao universo imaginário da ficção. A de Érico estrutura-se, do começo
ao fim, na dependência dos arquétipos de tipos essenciais e opostos entre si,
representando o masculino e o feminino, conclui Merten.
UM
POUCO MAIS DE BRASILIDADE
O reinventor do personagem Dom Pedro I
foi, sem dúvida, Paulo Setúbal. P. S. de Oliveira, advogado, jornalista,
ensaísta, poeta e romancista, nasceu em Tatuí, SP, em 1o de janeiro de 1893, e
faleceu em São Paulo, SP, a 4 de maio de 1937. Órfão de pai aos quatro anos,
sua mãe cuidou sozinha de nove filhos pequenos. Sendo assim, colocou-o como
interno no colégio do seu Chico Pereira e começou a trabalhar para viver e
sustentar os filhos. Transferindo-se com a família para São Paulo, o
adolescente Paulo entrou para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos
maristas, onde estudou durante seis anos. E foi lá que começou o interesse pela
literatura e pela filosofia. Fez o curso de Direito em São Paulo. Ainda
freqüentava o segundo ano quando decidiu fazer-se jornalista. Em 1918 inicia a
sua principal fase de sua produção literária, que o levaria a ser o escritor
mais lido do país destacando-se, especialmente, pelo gênero do romance
histórico, com A Marquesa de Santos (1925) e O Príncipe de Nassau (1926).
“Sabia como romancear os fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à
leitura. Os sucessivos livros que escreveu sobre o ciclo das bandeiras, a
começar com O ouro de Cuiabá (1933) até O sonho das esmeraldas (1935), tinham o
sentido social de levantar o orgulho do povo bandeirante na fase pós-Revolução
constitucionalista (1932) em São Paulo, trazendo o passado em socorro do
presente.” De suas obras destacamos As maluquices do Imperador, contos-históricos
(1927); Nos bastidores da história, contos (1928); O ouro de Cuiabá, história
(1933); Os irmãos Leme, romance (1933); El-dorado, história (1934); O romance
da prata, história (1935). Assim como ele, Raul Pompéia nos legou o delicioso Jóias
da Coroa.
Outro que investiu muito em propagar
essa nova brasilidade é Francisco Marins, especialmente dedicando seu trabalho
ao público juvenil. Nascido em Pratânia (SP), a 23 de novembro de 1922 é
descendente de tropeiros e plantadores de café. Formou-se em 1946, pela
Faculdade de Direito de São Paulo e, durante o curso jurídico, foi diretor da
Revista Arcádia e Presidente da Academia de Letras da mesma. Foram seus
contemporâneos na Faculdade, Israel Dias Novaes, Lygia Fagundes Telles,
Leonardo Arroyo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rubens Teixeira Scavone,
Célio Debes, Paulo Bomfim, José Altino Machado. Sua importância no romance
histórico brasileiro começa como editor da Melhoramentos, responsável por
numerosas coleções e obras fundamentais da cultura brasileira: "Memória
Histórica Brasileira", "Ficção Nacional", "Clássicos
Imortais" e, ainda, "Verdes Anos", "Obras Célebres",
"Colorama", esses últimos no campo da literatura infanto-juvenil.
Marins também se debruçou, com dedicação, sobre Os Sertões, obra de Euclides da
Cunha e publicou dois títulos que contam a saga e tragédia de Antônio
Conselheiro e seus milhares de seguidores - A Aldeia Sagrada e A Guerra de
Canudos, ambos pela Ática. Segundo ele, dentro de nosso idéia de romance
histórico o trabalho nasceu do seu primeiro contato com Os Sertões
– “uma obra volumosa, de texto compacto
e tema com poucos atrativos para os adolescentes. No meu caso, ao ter em mãos
aos 14 anos o "livrão", deparei-me com os temas intrigantes: "A
Terra, o Homem, a Luta". E, de início, esbarrei com a linguagem, com o
vocabulário difícil. Saltei para o capítulo final e empolguei-me com a
"Luta", páginas de grande emoção e beleza e profundo conteúdo
dramático. Assim, se posso aconselhar aos principiantes, iniciem a leitura pela
terceira parte, depois retornem ao "Homem" e à "Terra". O
tema e a epopéia sertaneja constituem pontos de reflexão e atração permanentes.
Sobre eles existe a maior bibliografia jamais escrita no Brasil. Recentemente,
o escritor Adelino Brandão reuniu, em volume de 756 páginas, cerca de 10 mil
verbetes sobre o tema. Senti que o assunto deveria ser levado aos jovens e
escrevi A Aldeia Sagrada para contar o drama canudense não pela ótica
dos soldados que atacaram o arraial, mas conduzindo a narrativa de dentro para
fora, isto é, os defensores tentando resistir aos atacantes. E, sem que eu
previsse, A Aldeia Sagrada e também o outro livro que escrevi, A Guerra de
Canudos, tornaram-se leituras introdutórias para os estudantes e jovens
leitores, a despertar-lhes o interesse pelo grande livro”, completa ele. Sobre
o mesmo tema Mario Vargas Llosa nos deu A Guerra do Fim do Mundo (editora
Francisco Alves); Moacir Scliar , O Sertão Vai Virar Mar (editora Ática), e O rei dos Jagunços, a
crônica histórica sobre os acontecimentos de Canudos em uma edição documentada
e comentada por Manoel Benício em edição conjunta do Jornal do Commercio e
Fundação Getúlio Vargas.
AS
MULHERES DÃO SEU RECADO
O romance histórico não é uma seara tão
somente masculina, e por isso mesmo, no Brasil, nossas escritoras transformaram
seus títulos em grandes sucessos de vendagem e também de mídia eletrônica. A exemplo de sucessos como o fenômeno de
vendagem “au reverse” como o do livro norte-americano E o vento levou...
de Margareth Mitchell, o Brasil criou novos sucessos de vendagem como o de A
casa das sete mulheres de autoria de Letícia Wierzchowski (Editora Record).
A jovem escritora portoalegrense de 29 anos, começou a escrever aos 25 quando
abandonou a Faculdade de Arquitetura. Se o romance de Mitchell tinha como pano
de fundo uma guerra onde no livro se destacam as personagens femininas, no
livro de Letícia o cenário foi a Guerra dos Farrapos, a mais longa guerra civil
do continente. A história é recontada pela ótica da solidão e da força
feminina.
Outro sucesso de mídia eletrônica que
revive um sucesso editorial foi A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz.
Além de novela de tevê nos idos anos 60, o livro percebe um boom de vendagem
com o seu lançamento como mini-série televisiva e posteriormente, no formato de
DVD. A muralha narra a bravura, a
violência, as paixões e intrigas dos primeiros desbravadores do Brasil. Os
costumes coloniais são desnudados e os personagens fortes são homens, mas
também as mulheres como Isabel, Mãe Cândida e Margarida. Na visão de José Lins
do Rego, no livro de Dinah “ as figuras humanas crescem de vulto e assumem a
importância de absorventes estados de alma. Aí o livro vence e se expande como
força de criação autêntica”. Por outro lado a rudeza dos paulistas foi poucas
vezes tão bem retratada, mostrando o outro lado da figura mítica dos
bandeirantes.
Outra autora que focalizou o mundo e o
submundo do Rio de Janeiro e Minas Gerais, o inicio do ciclo do ouro e a guerra
dos Emboabas, foi Ana Miranda. A
escritora cearense que já nos tinha brindado com Boca do Inferno (Cia
das Letras), nos entregou o inquietante O Retrato do Rei (Cia das Letras) e
recentemente Desmundo (Cia das
Letras), um romance que se inicia em 1555 com a chegada ao Brasil de uma leva
de órfãs mandadas pela Rainha de Portugal para se casarem com os cristãos que aqui habitavam.
Outra saga muito bem retratada com os
inquietantes referenciais históricos é o da vinda ao Brasil de Bento Teixeira,
que saído dos cárceres da inquisição em Lisboa, aporta no Brasil como cristão
novo e se casa com a cristã-velha Filipa Rosa. Essa história do século XVI é
contada em Os Rios Turvos (Editora Rocco), de autoria de nossa
companheira de Suplemento Cultural, a pernambucana Luzilá Gonçalves Ferreira,
professora da Universidade Federal de Pernambuco.
“Não fosse o golpe do Chile, o terror
e o exílio, eu talvez ainda estivesse escrevendo frivolidades em jornais de
moda” escreveu Isabel Allende. A escritora
latino-americana mais lida do mundo, é com sua história de vida repleta de
grandes acontecimentos, que acabaram por gerar conteúdos históricos em seus
romances - o golpe militar chileno em 1973 e a morte da filha, Paula, em 1992.
"Eu não confio mais no amanhã. Na minha cabeça, tudo pode estar perdido em
um minuto", declara. Os mortos e os espíritos são um tema importante nos
seus romances, como A Casa dos Espíritos e De Amor e de Sombras (Bertrand Brasil) este último o grande
exemplo de romance de história contemporânea .
CONTANDO E SENDO PROTAGONISTA
Muitas vezes não temos
o devido distanciamento do fato romanceado. Sem dúvida os três volumes de Subterrâneos
da Liberdade de Jorge Amado é uma obra emocionada, mas com certeza foram
fruto de vivências e tradição oral muito próximas. Um quase romance reportagem.
Talvez pudéssemos falar o mesmo de Agosto, de Ruben Fonseca. Esse
exemplo brasileiro e bastante contemporâneo acaba por refletir outros exemplos
históricos.
Consta que Emile Zola
para escrever Le ventre de Paris e Nana, percorreu os bairros da
capital francesa, entrevistando peixeiros, comerciantes, prostitutas, gigolôs e
marafonas, no que podemos considerar uma verdadeira investigação sociológica.
Porém preferimos considerar como romance histórico o seu Germinal.
Para Charles Dickens
(nascido em Landport, Portsmouth, 1812) o trabalho de repórter lhe dava
condição de circular em meio à aristocracia londrina. É a partir desse contato
que Dickens passou a publicar, crônicas humorísticas sob o pseudônimo de Boz.
Depois, em forma de folhetim, publicou os capítulos de seu romance "As
Aventuras do Sr. Pickwick". Como Zola, Dickens denuncia freqüentemente
o poder político e os ricos vaidosos e especuladores. Nele o pensamento
idealista e o romance sentimental unem-se para comover a sensibilidade do
leitor e despertar a sua consciência moral. Torna-se um mestre das narrativas
protagonizadas por crianças como em David Copperfield, Tempos
Difíceis ou Oliver Twist e garante sua condição de cronista de toda
uma época. Mas em "História de Duas Cidades" (1859) e "Grandes
Esperanças" (1861) que identificamos a sua melhor compreensão da
história. Nos últimos anos de sua vida iniciou o livro "O Mistério de
Erwin Drood", cujo desfecho permaneceria desconhecido: Dickens morreu em 9
de julho de 1870, antes de concluí-lo.
Como Mário Maestri escreve socorrendo-se
de Luckács “Quando atinge nível artístico, o romance histórico é percebido como
animação do passado. Heine afirmava que os romances de Walter Scott reproduzem
muitas vezes o espírito da história inglesa mais fielmente do que Hume.” E o que
poderíamos contestar, a tal distância , de um romance como Ivanhoé de Sir Walter Scott (relançado
pela editora Madras). Uma saga do cavaleiro negro, dos templários e as
lembranças das Cruzadas embaladas pelas crônicas arturianas nós dá todo o
direito, por exemplo, de aceitar como romance histórico a saga de quatro
volumes de As brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, porém o lícito
seria indica-la por sua obra O Incêndio de Tróia (editora Imago). Se
cometeu uma visão feminista da história, por outro lado, com imaginação, nos
deu explicações factíveis para várias lacunas.
Eleanor Alice Burford
Hibbert nasceu em 1906 e anos mais
tarde, transformou-se em uma das mais prolíficas escritoras de romances
históricos e a quem conhecemos como Jean Plaidy. Sua saga de 14 volumes sobre
Os Plantagenetas pode ser considerada definitiva. Chegando até a época dos
Tudors, a autora decidiu enveredar em outras fronteiras, e com afinco
britânico, entrou pela Revolução Francesa. Já saíram no Brasil Luíz, o Bem Amado e A Estrada para
Compiègne (editora Record), os dois primeiros volumes desta série de cinco
títulos, que pretende de forma romanceada dirimir qualquer dúvida sobre aqueles
conturbados anos.
O certo é que todos os
bons escritores podem se enveredar pela seara do romance histórico. Um exemplo
é Manuel Vázquez Montalbán, o pai de um dos mais populares detetives espanhóis
da ficção e que nos deu o genial Ou César ou nada (Ediouro), uma
“novela” decididamente histórica. Uma tarefa sem dúvida muito mais difícil e
complexa que seus mistérios por se tratar da narração das intrigas de uma Roma
renascentista, dominada pela família valenciana dos Borgia. Os personagens que
protagonizam a historia são complexos heróis que já conhecíamos através da
historia, a literatura e a arte.
Já a tarefa de
Christian Jacq, que nasceu em Paris, em
1947 nos parece mais simples. Egiptólogo renomado, doutor em Estudos Egípcios
pela Sorbonne, em 1995, lançou a Série Ramsés em cinco volumes, que o
consagrou definitivamente na carreira literária. Esta série já vendeu mais de
12 milhões de exemplares em 29 países de todo o mundo. No Brasil, destacamos A
Rainha Sol (Bertrand Brasil), que conta o período em que na cidade do Sol
chega ao fim junto com o reinado de Akhenaton e Nefertiti. O Egito, berço das
civilizações, surge repentinamente à beira do drama e do desmembramento. Guerra
civil, lutas pela sucessão ao trono, e Akhesa, a terceira filha do casal real
sonha com o poder como uma verdadeira herdeira de Nefertiti.
Outro interessante lançamento
é Sócrates e Xantipa de Gerald
Messadié, autor da série Moisés. Desta vez ele escolheu a Atenas dos
séculos V e IV a.C., como lugar da ação de Sócrates e Xantipa: Um Crime em
Atenas (Bertrand Brasil) onde Xantipa, a esposa de Sócrates, conhecida por
sua personalidade forte e por ter sido uma das megeras da História, encarna o
papel do detetive à procura do assassino. O escritor retrata a era de ouro da
democracia e das artes atenienses, marcada, porém, por escândalos e espionagem.
Mika Waltari é um
finlandês que se notabilizou por seus romances históricos. O Egipcio é,
sem dúvida, seu maior sucesso, e conta a história do reinado do faraó Akhenaton
se desenvolvendo no período de 1390 - 1335 AC. Porém, seu romance melhor
construído é O Segredo do Reino que narra com acuidade histórica o
período do nascimento e morte de Jesus Cristo.
Outra leitura
interessante é Shogun, de James Clavell. Nascido em Sidney em 1924,
Austrália Clavell se notabilizou por seus romances que envolvem a história do
oriente, em especial o Japão. Em Shogun temos um retrato do Japão feudal e o
processo da construção do estado-nação com as diferenças comportamentais no
século XVII entre japoneses e europeus.
Complementando nossas indicações sobre os romances
históricos precisamos não esquecer de escritores dedicados como Nagib Mahfuz,
que nasceu no Cairo em 1911. Formado em Filosofia, trabalhou como funcionário
público até se aposentar, aos 60 anos. Laureado com o Prêmio Nobel de
Literatura em 1988, foi jurado de morte por extremistas islâmicos, no ano
seguinte. Em 1994 sofreu um atentado no Cairo, onde vive. Suas obras Noites de mil e uma noites; Entre
dois palácios e O jardim do passado foram publicadas no Brasil. Agora chega a
vez de “A Batalha de Tebas” (Record) que é o seu segundo romance de um projeto
de 30 novelas, que começou com O jogo do destino, considerado um dos seus mais
impressionantes trabalhos. A intenção de Mahfuz era cobrir toda a história
egípcia, desde os tempos faraônicos até a invasão inglesa, no século XIX.
Entretanto, no decorrer da terceira novela - Kifah Tibah, de 1944 - Mahfuz
voltou o foco de seu interesse para o presente e se dedicou a escrever romances
com temas sociais, ao mesmo tempo em que redigia vários roteiros para a
indústria cinematográfica de seu país.
O romance relata as circunstâncias da morte de Sekenen-ra,
o governador de Tebas, a capital da parte sul do país, hoje conhecida como
Luxor. Dez anos depois, enquanto seu filho, Kamus, se esconde em Nabata, o neto
Ahmus, disfarçado de mercador, retorna a Tebas para preparar a grande batalha
de libertação.
Um estudo do trabalho de Nagib Mahfuz
mostra que sua ficção passou por três fases distintas. A primeira, entre 1939 e
1944, compreende três romances sobre o Antigo Egito, entre esses, A BATALHA DE
TEBAS, escritos sob a influência das novelas históricas de Sir Walter Scott. Os
livros traçam um paralelo entre a ocupação inglesa do Egito - fato vivenciado
pelo próprio Nagib - e a luta dos antigos faraós contra outros povos do deserto
e margens do Nilo.
A segunda fase coincide com o fim da
Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a publicação de O novo Cairo (Al-Qahira
Al-Jadihah). É nesse período que Mahfuz escreve sua famosa trilogia (1956 e
1957), trabalho que despertou o interesse da crítica para sua escrita. Nele, o
autor narra as aventuras e desventuras de várias gerações de uma família de
comerciantes. Seus sucessos, fracassos, amores e dissabores, uma parte
importante da história social do Egito. Após seu lançamento, no entanto, Mahfuz
ficou exatos sete anos sem escrever.
O hiato na carreira de Mahfuz só
termina quando publica, dividido em capítulos num jornal diário, Os meninos do
nosso bairro (Awlád Háratina). A importância de Mahfuz para o gênero romance
pode ser medida pela maneira como a Academia Sueca o saudou, ao lhe entregar o
Nobel de Literatura: “Com um trabalho rico em nuanças, ora claramente realista,
ora evocativamente ambíguo, ele fundou uma arte narrativa árabe que vale para
toda a humanidade”.
Devemos citar ainda o lançamento
de “Notícias do Império” de Fernando Del Paso
(Record) . Imaginem um romance que conta a história de Carlota Amélia,
mulher de Maximiliano José, arquiduque da Áustria, príncipe da Hungria e
Boêmia, conde de Habsburgo, príncipe de Lorena, imperador do México e... “rei
do mundo!”.Uma história de amor e a louca história fracassada de criar um
império mexicano. O autor, é jornalista e redator publicitário e foi
adido-cultural e depois cônsul-geral do México em Paris promove um delírio
histórico em mais de 600 páginas.
Devemos também falar de pratas da
casa como “Uma história de Poder”, de Rivaldo Paiva, uma enfeixada de fatos
marcantes da história recente de Pernambuco é mais que uma biografia onde Marco
Maciel é apresentado ao leitor, em uma narrativa que apresenta personagens e
fatos desconhecidos do grande público. Não se romanceia, mas também não se
recai nos enfadonhos textos datados, e por isso mesmo é outra faceta nesse
estilo de registro histórico.
E por fim e não o último, um
pouco de suspense, aventura, religião e até esoterismo. O livro é “O Tesouro do
Templo”, de Eliette Abécassis (Ediouro), autora nascida em Estrasburgo de
família judia vinda do Marrocos. Se você acha pouco, no livro além dos
Essênios, dos Templários e da seita dos Assassinos, a aula de história chega
até os dias de hoje (ano 2000) e inclui o serviço secreto israelense.
Como nem sempre tudo é tão obviamente histórico. Crônica
de indomáveis delírios (Rocco) do historiador e romancista Joel
Rufino nos conta que “durante a Revolução Pernambucana de 1817, a facção
“francesa” acalentou um sonho: trazer Napoleão – a Águia -, então prisioneiro
dos ingleses, para comandar seu exército. Esse movimento era um típico caso de
‘idéias fora de lugar’”. Pois bem, Napoleão veio e radicaliza as contradições.
“Para ele só a Abolição e a incorporação dos quilombos tornariam invencível a
empreitada democrática...” E por fim, como um dos personagens do livro diria –
“Sabe Roldão, em que consiste a Suprema Alegria? Estar vivo para ler Diderot”.
Conceição Ratis
Jornalista
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