Carta Aberta a Lourival Barreira
Jamais poderia imaginar que, nesta altura da vida, acabaria por me
tornar amiga de Barreira, o goleiro do Grêmio Esportivo Olímpico, time
de Blumenau que, nos idos da minha infância, tornou-se campeão
catarinense de futebol. Tal aconteceu no campeonato estadual de futebol
de 1964, e com meu pai, eu assisti ao jogo e lembro inúmeros detalhes
dele, até de como a torcida do Internacional de Lages botou fogo na
faixa do nosso time, pendurada no alambrado do campo.
O fato é que o tempo passou e o milagre da Internet me permitiu começar
uma amizade com Lourival Barreira, hoje respeitado advogado no Estado
de São Paulo. E no dia de hoje acabei por ler um relato do próprio
Barreira no blogue do Adalberto Day, aqui da minha cidade, onde ele
relembrava exatamente aquele jogo e as coisas que o precederam. Dentre
elas, Barreira se referia a Feola.
Quem ainda se lembra do Feola, sabe dizer quem foi Feola? Nossa, como
eu lembro de Feola, técnico da Seleção Brasileira de Futebol que, em
1958 foi campeã mundial! Parece que vejo agora as fotos de Feola nas
páginas da revista O Cruzeiro – vem-me uma enxurrada de lembranças, e
como eu gostaria de ter aqui, agora, o meu pai, que tanto gostava de
futebol, para conversarmos sobre tudo isso! Já que o meu pai partiu tão
cedo, achei que deveria conversar com alguém do futebol daquele tempo, e
é por isto que estou a escrever esta carta a Lourival Barreira.
Conto a Barreira como contaria a meu pai um dos muitos momentos
maravilhoso que o futebol me proporcionou na vida, e estou a lembrar do
dia em que conheci Zagallo! Eu já havia visto Zagallo uma vez, quando o
Flamengo jogou em Blumenau e eu estava no restaurante aonde o time veio
jantar, depois do jogo, com direito a ver Zico e tudo. A mesa onde eu
estava parou, petrificada, congelada, a olhar para Zico, mas Zico não me
fez a cabeça: meu fascínio era olhar para a lenda viva que, para mim,
era Zagallo!
Passaram-se diversos anos, no entanto, até eu conhecer Zagallo de
verdade. Eu tinha ido a Brasília para ir ao Supremo Tribunal Federal
ajudar a defender o boi da Farra, o pobre boi da famigerada e vergonhosa
Farra do Boi que ainda grassa em certas partes deste meu Estado de
Santa Catarina, embora eu tenha nos meus arquivos cópia do Acórdão do
Supremo Tribunal Federal que, naquela altura, proibiu a Farra do Boi sob
qualquer aspecto e terminantemente. Eu andava (ando) na luta contra a
Farra do Boi e soube, naquele sábado à noite que teria que estar em
Brasília na segunda de manhã. Foi uma correria. Eu ainda batia ponto e
tinha que avisar ao meu gerente que faltaria na segunda feira – devia
ser o ano de 1997, acho, quando até telefone ainda era coisa difícil, e
mal e mal consegui deixar um recado com um colega para que me
justificasse junto ao gerente. E houve problema de neblina, atraso de
voos, etc., mas acabei chegando ao Supremo com algum atraso. Muita água
rolou debaixo da ponte, naquele dia e no outro, coisa para outro texto, e
estava toda preocupada que demoraria mais um dia a voltar – como me
justificar com o meu gerente?
Naquela segunda-feira à noite alguém me levou para o hotel em que
ficaria, em Brasília, e entrei nele pasma pela quantidade de repórteres e
cinegrafistas que tomavam conta de toda a recepção, centenas e centenas
deles, e fiquei muito curiosa: Farra do Boi despertava a atenção da
imprensa, claro, mas não tanto assim. O que estava acontecendo ali? O
rapaz da recepção me informou: nada mais nada menos que a Seleção
Brasileira de Futebol estava hospedada ali!
Fremi! Acho que como todo o amante do futebol, pensei que acabaria por
ver a Seleção, mas em vão – ela estava em ala separada do hotel, fazia
as refeições em separado, etc. De qualquer forma, era uma coisa
maravilhosa estar respirando o ar do mesmo hotel que a nossa Seleção!
Foram acontecendo coisas, no entanto. Havia um hall cheio de portas de
elevadores, e eu estava ali a esperar quando uma das portas se abriu - e
o elevador estava recheadinho de jogadores um pouco atônitos por
estarem no andar errado – a porta fechou e eles sumiram, como num passe
de mágica. Ou como, no final do jantar em um dos diversos restaurantes
do hotel, quando uma enxurrada de repórteres adentrou onde eu estava,
seguindo Romário, que ia dar uma entrevista coletiva. Não tive nenhum
pejo de ficar em pé atrás do bando de repórteres, assistindo a
entrevista, e no final chegar perto de Romário e lhe dizer, com a minha
voz mais trêmula de tanta emoção:
- Romário... queria que você soubesse que lá no sul do Brasil você tem uma fã...
Já era emoção mais do que suficiente, mas a maior aconteceu na manhã
seguinte, depois do café da manhã, de novo no tal hall de elevadores.
Uma porta se abriu e saiu Zagallo, e meu coração escorregou até o pé ao
me ver frente a frente com Zagallo! Para mim, aquele era o Zagallo de
58, de 62, de 70, de 94 – era algo como uma divindade, era como um anjo
na minha vida, e fui diretamente a ele e segurei sua mão com as minhas, e
acho que ele ficou um pouco envaidecido com toda aquela minha tietagem,
pois parou e me deu a maior atenção. A emoção era tanta que não faço
ideia do que falamos, mas conversamos, com certeza sobre aquelas coisa
de 58, 62, 70, 94... Nem me passou pela cabeça que alguém poderia estar
vendo aquilo, mas havia um repórter que viu e fotografou – e no dia
seguinte, quando eu ainda não voltara para trabalhar, aquela foto saiu
na capa de um jornal de circulação estadual, aqui em Santa Catarina – e
eu virei a heroína do meu gerente!
Quando voltei, certa de que ia levar uma bronca, encontrei o banco onde
trabalhava cheio de cópias daquela foto em todas as paredes e meu
gerente tão orgulhoso de mim que só faltava me carregar no colo!
Era isto que queria contar, Lourival Barreira! Meu pai não chegou, a
saber, disso, havia partido antes, e então agora eu te tomo como
confidente. Tantas alegrias o futebol me deu, tantas! Talvez tudo tenha
começado lá naquele campeonato de 1964, naquele jogo em que tu foste o
goleiro! E talvez não tivesse lembrado de tudo isto, hoje, se tu não
tiveste falado no Feola!
Valeu, Lourival Barreira! Obrigada!
Blumenau, 27 de Abril de 2014.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em Geografia.
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