domingo, 22 de março de 2015

INÉDITOS - A POESIA DE MYRTHA RAC'Z- 4




MONOLOGO COM MEU FILHO


Filho meu, verbo inconcebido
vida incriada
não nascido pela carne, pelas leis
ou pelos mapas
abstrato, impalpável
idéia invulgar da minha mente
ternura minha
meu carinho de artérias e de nervos
de solidão e de silencio
vem cirandar com tua mãe-menina
e ele te contará estórias.

Tua canção de ninar já é traçada
nas distancias de minha meninice.
Tuas mãos calor de lume
na minha vigília de teu sono.
Vem, filho meu, serás boneco
na infancia de meus vintes anos.

Rabiscarei contigo as rotas que seguiremos
e te embalarei nos braços do meu poema.
Quando chorares eu chorarei teu pranto
plasmando em teu silencio 
minhas cantigas de roda.

Filho meu, verbo inconcebido
vida incriada
em teu cabeço trançarei meus sonhos
e cantaremos estrelas nas asas de nossa noite.
Quando quiseres
te ensinarei verdades - as verdades das crianças
e rirei contigo dos joelhos esfolados
das mãos sujas dos cacos da vidraça
que quebraste.
Eu traçarei em meu rosto
a sombra de teus dedos
para viver tanta pureza na rotina dos meus dias.
Quando pulares os muros
destes jardins de limites
eu sorrirei de teu medo e estarei do teu lado.
No frio destes crepúsculos
sentarás em meus joelhos
e rezarás comigo a oração das esperanças.

Se tu soubesses, meu filho,
há uma fé já a tua espera
e uma ausencia em teu nome.

Filho meu, verbo inconcebido,
vida incriada
melhor erá
que continues a não ser.
Permanece abstrato, impalpável
idéia invulgar de minha mente
morre sem ter nascido
morre
antes que te ame ainda mais.



Myrtha em 1970

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