quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Trupe Chá de Boldo lança “Presente”


Com quase nove anos de estrada, a banda paulistana Trupe Chá de Boldo lança seu terceiro disco, “Presente”, no início de 2015, dando sequência aos álbuns “Bárbaro” (2010) e “Nave Manha” (2012), e após participar, entre 2013 e 2014, dos discos “Tribunal do Feicebuqui” e “Vira Lata na Via Láctea”, de Tom Zé.
Assim como em “Nave Manha”, a produção do trabalho é assinada por Gustavo Ruiz (produtor e guitarrista de Tulipa Ruiz e outros), com mixagem feita por Victor Rice e masterização de Fernando Sanches (estúdio El Rocha). O disco traz 11 faixas inéditas – entre elas parcerias com Marcelo Segreto, da Filarmônica de Pasárgada, Tatá Aeroplano e Iara Rennó – e uma releitura de “Jovem Tirano Príncipe Besta”, de Negro Léo.
A Trupe segue em sua busca por diferentes sonoridades, sem se fechar em um único gênero musical, e mostrando influências que vão da tropicália ao rock, do carimbó ao eletrônico, da música pop ao afrobeat. O trabalho cuidadoso com as letras e com a poesia também se manifesta no disco, como já era marca dos trabalhos anteriores.
Com 13 integrantes, a maioria perto dos 30 anos, a banda escolheu desta vez não trazer participações especiais para o estúdio, e trabalhar somente com a sua formação instrumental que ganhou entrosamento ao longo dos anos: percussões, guitarras, bateria, baixo, guitarras, sopros, backing vocals e voz. Somam-se à isso algumas pequenas intervenções de efeitos e programações, trabalhadas pela banda em parceria com Gustavo Ruiz e Victor Rice.
Após anos de viagens pelo país e a boa recepção de “Nave Manha” pela crítica e público – com o clipe “Na Garrafa” alcançando o topo das paradas na MTV em 2013 e a faixa sendo incluída na coletânea inglesa “Mais um Discos” –, a Trupe se prepara para disponibilizar o álbum para download gratuito em fevereiro e para realizar os shows de lançamento em março.
"Presente" por Marcus Preto:
Já observei a Trupe Chá de Boldo sob os pontos de vista mais variados. Primeiro, como público: ouvindo a música e assistindo aos shows desde a estreia, com o álbum “Bárbaro” (2010). Depois, como jornalista: entrevistando e escrevendo sobre o lançamento de “Nave Manha” (2012), o segundo. E, por fim, como diretor artístico: coordenando a criação dos trabalhos recentes de Tom Zé, dos quais eles participaram como banda e arranjadores, em 2013 e 2014.
Agora, sob o pretexto de escrever sobre “Presente”, o terceiro álbum da superbanda paulista, tento organizar nesse texto um pouco do que aprendi sobre – e com – esses meninos. E isso me leva imediatamente à primeira entrevista que fiz com Gustavo Galo, um dos vocalistas e principal compositor da Trupe, há três anos.
Galo tinha então 26 e eu perguntei a respeito das relações dele e da banda com as tradições da música de São Paulo, sobretudo com a geração 1980. “O que nos interessa nisso que ficou conhecido como vanguarda paulistana é a independência aliada à invenção”, ele mandou de volta. E disse que começou a compor depois do impacto de ouvir o álbum “Pretobrás” (1998), de Itamar Assumpção, e de ler “La Vie en Close” (1991), do poeta Paulo Leminski.
No ano seguinte, comecinho de 2013, em grande parte movido pela conversa com Galo, fiz outra reportagem que os envolveu – a Trupe e os colegas das bandas O Terno e Filarmônica de Pasárgada. Tratava das mesmas relações da nova geração com os nomes clássicos da música popular brasileira de invenção: Luiz Tatit, Jorge Mautner, Arnaldo Baptista, Walter Franco, Mulheres Negras etc.
Na apuração, mostrei o som da Trupe para Tom Zé. E ele: “Quando ouço esses meninos, percebo que olharam para mim como fonte de material. Posso servir a eles como um abecedário, mas eles formam novas palavras e falam uma língua que eu não conheço. Sinto grande alegria ao ver meu bagaço sendo reaproveitado”.
Por causa dessa reportagem, lembrei justamente deles quando Tom Zé precisou de socorro no episódio da Coca-Cola (se alguém não se lembra, o mestre tropicalista fez a locução de um comercial do refrigerante e foi chamado de “vendido” por haters no Facebook). Fizemos, primeiro, o EP “Tribunal do Feicebuqui”, lançado em 2013. Depois, o álbum “Vira Lata na Via Láctea”, do ano passado.
Conto isso tudo, a parte da história deles que vi e vivi, por crer que ela ajuda a desenhar um pouco do que eles são. Ou, pelo menos, diz um pouco do percurso recente que fizeram até chegar aqui, no “Presente”. Mas, dentro desse pacote de vivências, é fundamental lembrar também que, entre “Nave Manha” e o momento atual, Galo lançou “Asa”, seu primeiro álbum solo. E, talvez também por isso, os campos se abriram para que outros compositores da banda mostrassem seus escritos no disco novo. A vocalista Julia Valiengo trouxe “Cine Espacial” (em parceria com Tatá Aeroplano), o guitarrista Gustavo Cabelo veio com “Lampejo” (com Iara Rennó), o baixista Tomás Bastos fez “Aos meus Amigos”.
Ainda assim, Galo é autor predominante no álbum, assinando oito das 13 faixas – sozinho, com colegas da Trupe ou com gente de fora, inclusive com Marcelo Segreto, da Filarmônica de Pasárgada.
Por um lado, todos esses nomes – Tatá Aeroplano, Iara Rennó, Marcelo Segreto – reiteram a conexão da Trupe com a cidade: São Paulo. E isso fica ainda mais presente na adonirânica “Amores Vão” (Gustavo Galo): “Iracema foi embora/ Inês saiu nunca voltou/ Margarida sumiu do metrô/ Eugênia partiu cidade afora/ Gabriela casou com Moacir/ Malvina abandonou/ Pafúncia paciência deve rir/ Do coração de outro cantor/ Despedidas são da vida/ Vida entre avenidas/ A dor é menor/ Quando termina em samba”.
Por outro lado, não há de ser à toa que “Presente” inicia seus 47 minutos de duração com um tema vindo do Rio de Janeiro, “Jovem Tirano Príncipe Besta”, pequena obra-prima escrita pelo compositor maranhense (radicado no Rio) Negro Leo. Há um recado aí, um sinal de expansão, de rompimento com as fronteiras. E um movimento de aproximação com outros expoentes dessa tal “independência aliada à invenção” que florescem pelo país.
Pra encerrar o assunto, naquela mesma velha entrevista, que já citei acima, Galo dizia também: “É preciso lutar para que surjam ‘ouvidos novos para os anos novos’, como escreveu certa vez o poeta paulistano Augusto de Campos, parafraseando o músico americano John Cage (1912-1992), que sempre desejava: ‘Happy new ears!’.
É isso. Felizes orelhas novas para todos nós.


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