Exposição foi encerrada no último domingo com conversa entre o curador espanhol Agustín Pérez Rubio e os artistas Rosângela Rennó e Ayrson Heráclito, sobre a importância da linguagem na preservação da memória, e da arte como ferramenta para exorcizar as marcas da violência de episódios como a escravidão
No último evento dos Programas Públicos de Memórias Inapagáveis – Um Olhar Histórico no Acervo Videobrasil, no
sábado, 29 de novembro, o curador da mostra e diretor artístico do
Malba, o espanhol Agustín Pérez Rubio, conduziu conversa em torno de
questões indígenas e da africanidade na arte e na história, ao lado dos
artistas Rosângela Rennó e Ayrson Heráclito. O encontro aconteceu no
Galpão do Sesc Pompeia e contou com a performance Batendo Amalá,
de Heráclito. A exposição, realizada pela Associação Cultural
Videobrasil e pelo Sesc São Paulo, teve encerramento neste domingo, 30
de novembro.
Rubio abriu o debate com uma análise do que representa para o Brasil, América Latina e para o mundo a mostra Memórias Inapagáveis,
que poderá itinerar em 2015 pelo exterior. O curador falou sobre o
ponto de partida de sua curadoria, o que motivou seu recorte, e qual foi
o papel da exposição dentro do atual cenário das artes no país. Ele
lembrou que Memórias Inapagáveis foi inaugurada na mesma época
em que a 31ª Bienal de São Paulo abria suas portas e reforçava a
discussão sobre arte e política. Simultaneamente, Histórias Mestiças,
curada por Adriano Pedrosa e Lilia Schwarcz, no Instituto Tomie Ohtake,
colocou luz sobre a questão da mestiçagem e seu rebatimento na produção
artística. “A mostra representa, por meio da arte, uma abertura para se
falar de coisas realmente importantes para a sociedade, a começar pelo
Brasil. Por meio das questões sócio-políticas é possível compreender a
própria história. Quando nos re-situamos, podemos entender o que somos e
o que fomos em cada momento da história”, afirmou Pérez em sua fala.
O artista Vincent Carelli,
também convidado para a mesa, não pôde comparecer ao evento, mas enviou
uma carta, que foi lida pela diretora da Associação Cultural
Videobrasil, Solange Farkas. Carelli contou sobre os bastidores e
significado do filme A Arca dos Zo’é, obra feita em co-autoria
com a antropóloga Dominique Gallois, que integra a exposição. Criado por
cineastas indígenas da tribo Waiãpi (Amapá) por meio da ONG Vídeo nas Aldeias,
o filme documenta a viagem de Wai Wai, chefe da tribo Waiãpi, e de sua
equipe de filmagem até a aldeia dos Zo’é, no Pará. Wai Wai teve contato
com a cultura dos Zo’é através da televisão. “A Arca dos Zo’é era
um filme que não falava sobre, mas que dava voz aos índios, um filme em
que o índio deixava de ser objeto e passava a ser protagonista da sua
história, que não estava a apontar seu exotismo distante, mas sua
humanidade tão próxima a nós mesmos”, escreveu Carelli.
Rosângela Rennócomentou sobre Vera Cruz (2000),
seu primeiro trabalho em vídeo. A obra, produzida à época das
comemorações dos 500 anos do “descobrimento” do Brasil, se baseia e
reinterpreta a carta de Pero Vaz de Caminha, primeiro documento escrito
do país, para o Rei de Portugal. A artista explicou que, com esta obra,
pôde criar “uma possível leitura para aquele texto que na minha infância
parecia tão rebuscado, maçante, e longo demais”. Rennó também falou
sobre suas experiências com o estudo da linguagem, em viagens para a
África, como a Ilha da Reunião, e deseja em breve conhecer o Amapá, na
divisa com as Guianas, onde, segundo ela, há influência do idioma
francês na língua praticada pelos locais.
Heráclito leu trechos de
arquivos guardados em Portugal, em sigilo, até a década de 80 do século
passado, e que relatam “as crueldades praticadas contra os escravos pelo
homem mais rico da Bahia e de todo o Brasil na segunda metade do século
XVIII”, o Mestre de Campo Garcia d’Ávila Pereira de Aragão. Os casos,
de certa maneira, sintetizaram o conceito de sua obra, Barrueco (2004),
que fez parte da exposição e reconta a dor e o legado do tráfico de
escravos africanos. “O que fazer com nossas chagas e com nossas feridas
mais profundas e como tornar produtivos todos esses segredos?”, indagou o
artista durante o encontro com o público.
A performance Batendo Amalá é
desdobramento da pesquisa de Heráclito sobre a herança e as influências
históricas, culturais, sociais e religiosas da chegada dos africanos ao
Brasil e, em especial, à Bahia. Na ação performática, o artista prepara
o “ajebó”, comida ritual votiva de Xangô, divindade do candomblé
relacionada à Justiça, enquanto evoca seus pedidos pessoais. O registro
da performance recriada em estúdio, em 2013, foi doado por Heráclito ao
Acervo Videobrasil. Além de Barrueco e de Batendo Amalá, a coleção conta com outras três obras do artista: As Mãos do Epô (2007), Buruburu (2010) e Funfun (2012).
Memórias Inapagáveis
exibiu 18 obras do Acervo Videobrasil, produzidas da década de 1980 aos
dias atuais, que expõem a força das narrativas pessoais e dos dissensos
na construção da memória de países marcados por conflitos históricos –
entre elas, Vera Cruz, de Rennó, Barrueco, de Heráclito e Danillo Barata, e A Arca dos Zo’e, de Carelli e Gallois.
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