Nota de falecimento
(Para Cusco Preto
Schörner)
Faz pouco mais de
duas horas que ele se foi, enquanto eu e meu cachorro Atahualpa, atônitos,
víamos a veterinária auscultar-lhe o coração pela última vez, desligar o
oxigênio, tirar a cerquinha que o protegia. Observei que o soro já não gotejava
mais, não sei se por conta de coisas da natureza ou se a moça o desligara – sei
que o Cusco tinha partido assim ali na nossa frente, devagarinho, serenamente,
sem nenhum alarde, e agora estou aqui chorando, ainda sem poder
acreditar.
Uma pessoa que não sei quem é disse que “cada cachorro que parte leva um pedaço do
meu coração”, e é bem assim que me sinto, como se me faltasse um pedaço,
pois Cusco era alguém tão próximo, estava tão misturado com as nossas vidas que
era como se fosse nosso também e, dolorida, fiquei vendo o que Atahualpa fez
quando chegamos em casa: foi lá na casa do Cusco, e farejou cada pedacinho do
pequeno pátio, e da garagem, e da porta, pois eu acho que ele entendeu
perfeitamente que o amigo do peito partiu.
Imagino que Cusco nasceu lá pelo final de março de 2009 – sei que veio
para a sua família a primeiro de maio daquele ano, e era um filhotão de pernas
compridas quando o conhecemos, no mês de julho, sendo carregado no colo por
aquela menina bonita que era a Monique. Como todo filhote, era bastante arrojado
e queria saber tudo do mundo, e num instante descobriu que éramos seus amigos, e
passou a entrar por dentre as grades da nossa varanda a qualquer momento para
dar uma espiada se havia algum petisco sobrando no prato de Atahualpa, e pular,
e fazer carinho, e abanar o rabo, um feixe de felicidade e energia que
conquistava qualquer um que tivesse coração.
Fomos vizinhos exatos 63 meses, e era um cachorro cheio de amor e de
grande docilidade. Quando acontecia de ficar sozinho uma horinha, de vez em
quando, chorava tanto que era de cortar o coração, mas um pouquinho de amor que
fosse já o consolava. E eu ia até sua porta e o
chamava:
- Cusco! Não fica
triste! A mamãe já volta! – e eu podia ouvi-lo cheirando por sob a porta, como
quem diz:
- Ok, vou esperar.
Confio em ti! – e nos entendíamos tão bem que agora fica difícil pensar em como
vai ser a vida sem a existência dele.
Faz dois dias que, ao sair pelos fundos da sua garagem para fazer xixi na
beirada da floresta que há aqui, cachorros estranhos o pegaram e o deixaram em
petição de miséria, de tal forma que não resistiu aos ferimentos.
A gente, no entanto, sempre espera pelo melhor, e foi com a sensação de
que ele iria nos receber abanando o rabo que fui, com Atahualpa, fazer-lhe a
visitinha de há pouco. Foi muito traumático chegar ao hospitalzinho e ver o
estado dele. Não nos viu, não nos cheirou, já não abanaria mais o rabo.
Esperamos ali, sem querer acreditar que ele estava tão mal, e ali estávamos
quando ele se foi.
Ainda não falei com sua família, que deve estar pior do que eu estou, e
nem sei o que dizer quando a gente se encontrar. Talvez só lhes diga a parte que
sei: que o Cusco não está mais entre nós porque se foi para as Campinas
Verdejantes, onde vai ter toda a liberdade que quiser e ser feliz para sempre.
Bem na horinha em que a veterinário tirou-lhe o oxigênio eu percebi lá fora,
mesmo sendo dia nublado, como aparecia um arco-íris para guiá-lo até àquele
lugar abençoado para onde vão os bons cachorros.
Que tenhas feito boa viagem, Cusco! Tiveste uma família que te amou
muito, outras pessoas, como eu, que só queriam a tua felicidade; eras amigo de
gentes, gatos e cachorros; foste personagem de dois livros e deixas muita, muita saudade, tanta,
que não sei o que fazer para parar de chorar.
Blumenau, 01 de novembro de
2014.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em
Geografia.
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