Na esquina da casa verde
(Para D. Lydia Scheffler dos
Santos)
Era na esquina daquela casa verde que as nossas dores se cruzavam. Faz
tanto tempo, e é ainda como se as nossas dores estivessem amarradas ali, uma na
dor da outra, enlaçadas como fitas de seda embaralhadas pelo vento em nós
impossíveis de desatar, tão forte foram e nunca deixaram de
ser.
Às vezes tu vinhas a pé pela madrugada, no caminho que então era de
terra, e cruzavas a rua bem ali onde já havia a mesma casa verde que está ali
até hoje, e subias até lá onde a urgência do teu coração mandava, e no relicário
do teu peito era impossível caber o tamanho daquela dor, mas tu a carregavas
como havia de ser, porque não era possível desvencilhar-se dela como se fosse
uma carga qualquer.
Eu vinha de ônibus um pouco mais tarde, pelo caminho de paralelepípedos,
na maioria das vezes sem ter ideia que o tamanho da minha dor era comparável à
tua, porque para mim a minha dor era a maior do mundo, e somente hoje consigo
ver que também havia um relicário onde a guardava, embora vivesse tão
desnorteada que do meu relicário a dor vazava, escorria, sangrava, e na esquina
da casa verde, antes de subir o morro, eu me sentia tão atarantada que nem me
dava conta de quantas vezes tropeçava, enredava-me na tua dor que ficara ali
estendida antes, inconsciente de que as duas se cruzavam ali, embora eu soubesse
da tua dor e do tamanho dela.
Mas era ali que as nossas dores se cruzavam, embora vez ou outra elas se
encontrassem frente a frente, quando acontecia de nos encontrarmos lá sobre o
morro, e então doía tanto, tanto, que no mais das vezes eu me limitava a ficar
lá sentada, chorando, tanto doía e tão grande a emoção de estar perto de ti.
Queria abraçar-te, esconder-me no teu regaço, amalgamar-me contigo e amalgamar
nossas dores, mas minha coragem era pouca e eu só ficava lá, chorando, pois nem
tinha, mesmo, forças para mais que isso.
Tu eras mais forte do que eu, e me dizias coisas, e me contavas coisas,
até das alegrias maiores de todas, como naquela vez em que disseste que “Foi
como receber um presente de Deus”. Ah! Como eu te compreendia e como penso que
também me compreendias, pois nossas perdas eram comparáveis, e só quem recebe
tal rasteira na felicidade pode compreender o tamanho da dor que fica, e nós
duas havíamos perdido quase do mesmo jeito.
Então a dor, aquela dor que nunca acabou, e que se entrelaçava ali
naquela esquina onde ainda há a casa verde. E passo ali hoje, e todas as ruas
estão calçadas e muita coisa se construiu e se fez, mas o morro ainda está lá, e
ali no ponto de entrelaçamento existem ainda aquelas faixas móveis de luz que
foram feitas pelo entrelaçamento das nossas dores sem tamanho. Bem na esquina
daquela casa antiga.
Blumenau, 17 de Outubro de 2014.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em
Geografia.
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