quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Crônica da Urda - Na esquina da casa verde

Na esquina da casa verde


                                   (Para D. Lydia Scheffler dos Santos)

                                   Era na esquina daquela casa verde que as nossas dores se cruzavam. Faz tanto tempo, e é ainda como se as nossas dores estivessem amarradas ali, uma na dor da outra, enlaçadas como fitas de seda embaralhadas pelo vento em nós impossíveis de desatar, tão forte foram e nunca deixaram de ser.
                                   Às vezes tu vinhas a pé pela madrugada, no caminho que então era de terra, e cruzavas a rua bem ali onde já havia a mesma casa verde que está ali até hoje, e subias até lá onde a urgência do teu coração mandava, e no relicário do teu peito era impossível caber o tamanho daquela dor, mas tu a carregavas como havia de ser, porque não era possível desvencilhar-se dela como se fosse uma carga qualquer.
                                   Eu vinha de ônibus um pouco mais tarde, pelo caminho de paralelepípedos, na maioria das vezes sem ter ideia que o tamanho da minha dor era comparável à tua, porque para mim a minha dor era a maior do mundo, e somente hoje consigo ver que também havia um relicário onde a guardava, embora vivesse tão desnorteada que do meu relicário a dor vazava, escorria, sangrava, e na esquina da casa verde, antes de subir o morro, eu me sentia tão atarantada que nem me dava conta de quantas vezes tropeçava, enredava-me na tua dor que ficara ali estendida antes, inconsciente de que as duas se cruzavam ali, embora eu soubesse da tua dor e do tamanho dela.
                                   Mas era ali que as nossas dores se cruzavam, embora vez ou outra elas se encontrassem frente a frente, quando acontecia de nos encontrarmos lá sobre o morro, e então doía tanto, tanto, que no mais das vezes eu me limitava a ficar lá sentada, chorando, tanto doía e tão grande a emoção de estar perto de ti. Queria abraçar-te, esconder-me no teu regaço, amalgamar-me contigo e amalgamar nossas dores, mas minha coragem era pouca e eu só ficava lá, chorando, pois nem tinha, mesmo, forças para mais que isso.
                                   Tu eras mais forte do que eu, e me dizias coisas, e me contavas coisas, até das alegrias maiores de todas, como naquela vez em que disseste que “Foi como receber um presente de Deus”. Ah! Como eu te compreendia e como penso que também me compreendias, pois nossas perdas eram comparáveis, e só quem recebe tal rasteira na felicidade pode compreender o tamanho da dor que fica, e nós duas havíamos perdido quase do mesmo jeito.
                                   Então a dor, aquela dor que nunca acabou, e que se entrelaçava ali naquela esquina onde ainda há a casa verde. E passo ali hoje, e todas as ruas estão calçadas e muita coisa se construiu e se fez, mas o morro ainda está lá, e ali no ponto de entrelaçamento existem ainda aquelas faixas móveis de luz que foram feitas pelo entrelaçamento das nossas dores sem tamanho. Bem na esquina daquela casa antiga.

                                   Blumenau, 17 de Outubro de 2014.

                                   Urda Alice Klueger
                                   Escritora, historiadora e doutora em Geografia.

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