A pedra e o tempo – Arquitetura como patrimônio cultural
De Flávio de Lemos Carsalade
Português e inglês639 páginas
Livro de professor da UFMG discute intervenções no patrimônio arquitetônico, defendendo a preservação que respeita as transformações do cotidiano
Passado o tempo em que a modernidade ditava as regras e justificava
demolições a torto e a direito, a preocupação com a preservação rege a
agenda do século 21. Isso vale também para a arquitetura, a mais pública
das artes, que se expõe, criando referências urbanas e itinerários. Mas
é justamente esse caráter utilitário que torna a questão mais complexa,
de acordo com o professor Flavio de Lemos Carsalade, da UFMG. Ele
lembra que a arquitetura é feita para “propiciar a vida humana”, o que
significa dizer que é necessário preservar considerando que a vida se
transforma.
Interessado em discutir de forma consistente essa questão, Carsalade
publica, pela Editora UFMG, a obra bilíngue A pedra e o tempo –
Arquitetura como patrimônio cultural. O objetivo é entender a natureza
particular da arquitetura como arte e sua missão social, e identificar
formas de preservar o patrimônio sem deixar de inseri-lo na vida
cotidiana. “A ideia de restauração nasceu no mundo das belas-artes, cabe
bem para uma obra de arte. Quando falamos de arquitetura, trata-se de
adaptar, ou seja, a intervenção é mais abrangente, modificando, sempre
de forma respeitosa, para atender à vida contemporânea”, afirma o autor,
que é doutor pela Universidade Federal da Bahia e dirigiu a Escola de
Arquitetura da UFMG de 2008 e 2012.A chave teórica de A pedra e o tempo está na fenomenologia. O autor ressalta que o homem é um ser espacial e que sua percepção de estar no mundo é centrada na sua condição psicofísica. “Procurei relacionar a arquitetura, que é uma ciência do espaço, com a condição humana, e a partir dessa relação é possível extrair uma série de possibilidades de interação do homem com a obra arquitetônica”, explica Carsalade, que articula ideias de autores como Heidegger, Merleau-Ponty, Norberg-Schulz – que desenvolveu o conceito de “arquitetura existencial” – e Cesare Brandi.
A matriz fenomenológica é referência também para a pesquisa de campo, que privilegiou intervenções recentes e significativas, especialmente em Minas Gerais. Carsalade comenta, em seu texto, que os pareceres dos órgãos de patrimônio revelam “alternância de ‘critérios’ para análise”, além de “diversidade muitas vezes inconsistente de formas de intervenção, mostrando como, muitas vezes, o (re)desenho da obra não se sustenta conceitualmente”.
Questão global
Flavio Carsalade sente falta de uma teoria mais aplicada à arquitetura, que incorpore uma realidade em transformação e possibilite maior clareza. Segundo ele, a obra é voltada para arquitetos e leitores do mundo da cultura, mas a aplicação de seus conceitos pode ser compreendida de forma mais ampla. A opção pela versão em inglês respeita o fato de que se trata de uma questão global e é preciso atingir a comunidade científica internacional, além de que há pesquisas em andamento em parceria com universidades estrangeiras.Repleto de exemplos concretos, o livro ressalta a importância de se considerar a preexistência espacial e temporal. Carsalade faz um “ensaio” de retirar do conjunto Sulacap/Sul América, na avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, o anexo construído nos anos 1970, devolvendo ao conjunto original dos anos 40 o contato físico e visual com o Viaduto de Santa Teresa. Em outro momento, ele compara as primeiras iniciativas de preservação do Pelourinho, em Salvador, e do Corredor Cultural do Rio de Janeiro. O primeiro, segundo o autor, foi tratado como um cenário, sem preocupação com a solução de problemas sociais e habitacionais. Em detrimento de aspectos construtivos, históricos e mesmo estéticos, privilegiou-se a imagem. Não houve negociação, e, junto com a população original, levou-se “um pouco da alma do lugar”. No caso carioca, ao contrário, a estratégia foi flexível, baseada na diversidade de soluções, buscando conservar sem o rigor do restauro, “na tentativa de manter no local a sua dimensão imaterial – o lugar do comércio, a sua vida intensa e uma imagem de história em transformação”.
Com a experiência de gestor público – administrou a Regional Pampulha, em Belo Horizonte, e foi presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas – aliada à de pesquisador, Carsalade defende que a intervenção no patrimônio arquitetônico e urbanístico procure a correspondência entre aspectos como estética, memória e uso. “A arquitetura cria significado. A partir de certo ponto, a interferência pode esgarçar esse significado. Esse é o limite da intervenção”, conclui Carsalade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário