“Eu
tinha muito mais razões para fazer o disco com os devotos. Havia menor
potencial comercial, mas era muito mais satisfatório. Aquilo realmente
foi mais divertido do que tentar fazer um disco pop de sucesso. Era o
sentimento de tentar utilizar nosso talento e transformá-lo em serviço
espiritual a Krishna”.
Mukunda:
Em 1969, você produziu uma canção chamada “O Mantra Hare Krishna”, que
depois fez sucesso em muitos países. Aquela melodia mais tarde tornou-se
uma faixa do álbum “Radha-Krishna Temple”, que você também produziu com
o selo da Apple e foi distribuído nos Estados Unidos pela Capitol
Records. Muitas pessoas que trabalhavam em gravadoras ficaram surpresas
com isto: você produzindo canções para o Hare Krishna e cantando com
seus membros. Por que você fez isso?
George: Bem, tudo isso é serviço, não é? Serviço espiritual para tentar difundir o mantra em todo o mundo e para dar aos devotos uma base mais ampla e um maior sustentáculo na Inglaterra e em tantos outros lugares.
Mukunda:
Como o sucesso desse disco em que os devotos Hare Krishna cantam
compara-se com o de alguns dos músicos de roque cujos discos você
produzia na época, como Jackie Lomax, Splinter e Billy Preston?
George:
Isso foi diferente. Não tinha nada a ver com aquilo, realmente. Eu
tinha muito mais razões para fazer o disco com os devotos. Havia menor
potencial comercial naquele disco, mas era muito mais satisfatório
fazê-lo, sabendo das possibilidades que ele criaria, das conotações que
ele teria simplesmente por apresentar o mantra durante três minutos e meio. Aquilo, realmente, foi mais divertido do que tentar fazer um disco pop
de sucesso. Era o sentimento de tentar utilizar nossos talentos ou
nossa ocupação e transformá-los em serviço espiritual a Krishna.
Mukunda:
Que efeito você acha que aquela melodia de “O Mantra Hare Krishna”,
tendo alcançado milhões e milhões de pessoas, surtiu na consciência do
mundo?
George: Gosto muito de pensar que aquilo teve algum efeito. Afinal, o som é Deus.
Mukunda:
Quando a Apple, a companhia de gravação, concedeu uma entrevista
coletiva à imprensa para promover o disco, todos pareceram assustados ao
ouvir você falar sobre alma e Deus como coisas tão importantes.
George:
Eu sentia que era algo importante ser autêntico, deixá-los ficar
sabendo o que estava acontecendo comigo. Eu queria sair do disfarce e
realmente contar-lhes tudo. Isso porque, uma vez que você compreenda
algo, não pode mais fingir que não o conhece.
Eu
pensei: esta é a era espacial, com aviões e tudo o mais. Se todos podem
dar a volta ao mundo nas férias, não há razão pela qual o mantra
não possa também ser amplamente difundido. Assim, a ideia era tentar
fazer uma infiltração espiritual na sociedade, por assim dizer. Depois
de conseguir que a Apple gravasse o disco e o lançasse, e depois de
nossa grande promoção, vimos que ele se tornaria um sucesso. E o que é
mais especial: uma das maiores alegrias da minha vida foi ver todos
vocês no programa Top of the Pops da BBC. Eu nem acreditava. É
dificílimo entrar naquele programa, porque eles só o põem lá se você
fica entre os vinte mais vendidos. Para mim, foi como respirar ar
fresco. Minha estratégia era fazer uma apresentação do mantra de
três minutos e meio para que eles tocassem na rádio, e tudo funcionou
bem. Fiz um amplo arranjo de harmônio e guitarra para o disco nos
estúdios Abbey Road, antes de uma sessão dos Beatles, então regravei uma
partitura para o baixo. Lembro que Paul McCartney e sua esposa, Linda,
foram ao estúdio e gostaram do mantra.
Mukunda: Pouco após o lançamento, John Lennon disse-me que tocaram a gravação em um intervalo pouco antes de Bob Dylan fazer o show da ilha de Wight, com Jimi Hendrix, os Moody Blues e Joe Cocker, no verão de 69.
George:
Eles tocaram enquanto preparavam o palco para Bob. Foi incrível! Além
disso, era uma melodia absorvente, e as pessoas não precisavam saber o
que significava para gostar dela. Senti-me muito bem logo que fiquei
sabendo do sucesso que estava fazendo.
Mukunda: O que você achou do disco tecnicamente, das vozes?
George:
Yamuna, a cantora principal, tem uma voz naturalmente boa. Gostei da
convicção com que ela cantou, e ela cantou como se tivesse cantado
muitas vezes antes. Não parecia ser a primeira melodia que ela cantava.
Bem,
antes de encontrar qualquer devoto, ou antes de me encontrar com
Prabhupada; como eu já tinha seu primeiro disco há pelo menos dois anos,
eu já costumava cantar o mantra. Quando você se abre para algo, é
como se você se tornasse um imã a convidar tal coisa a vir a seu
encontro. Desde a primeira vez que ouvi o canto, foi como uma porta
aberta em alguma parte do meu subconsciente, talvez proveniente de
alguma vida anterior.
Mukunda:
Na letra da canção “Awaiting on You All”, do álbum “All Things Must
Pass”, você se manifesta e diz às pessoas que, cantando os nomes de
Deus, elas podem libertar-se do mundo material. O que o levou a fazer
aquilo? Que espécie de resposta você obteve?
George: Naquela época, ninguém se dedicava àquele tipo de música no mundo pop.
Eu senti que era algo muito necessário. Então, em vez de sentar-me e
esperar que alguém o fizesse, decidi fazê-lo eu mesmo. Muitas vezes
pensávamos: “Bem, concordo com você, mas não estou a fim de me envolver
com isso. É muito arriscado”. Todos sempre tentam se manter cobertos,
comerciais, mas eu pensei: Farei! Ninguém mais está fazendo, e eu estou
cansado de ver tantos jovens de bobeira, desperdiçando suas vidas,
entende? Eu também senti que havia muita gente por aí que se tocaria.
Ainda hoje recebo cartas de pessoas dizendo: “Faz três anos que vivo no
templo Hare Krishna e jamais teria conhecido Krishna se você não tivesse
gravado o álbum ‘All Things Must Pass’”. Deste modo, sei que, pela
graça do Senhor, tenho um pequeno papel no teatro cósmico.
Mukunda:
E os outros Beatles? O que eles pensavam de você ter adotado a
consciência de Krishna? Qual foi a reação deles? Todos vocês haviam
estado na Índia e realmente buscavam por algo espiritual. Shyamasundara
disse-me certa vez, após almoçar com você e os demais Beatles, que todos
eram muito respeitosos.
George:
Sim! Bem, se o Quarteto de Liverpool não entrasse nessa, isto é, se
eles não pudessem lidar com os devotos Hare Krishna de cabeça raspada,
então não haveria nenhuma esperança! (risos) E os devotos vinham
associar-se comigo, o que fazia as pessoas pensarem: “Ei, o que é
isto?”. Sabe como é, assim que alguém vestido de laranja e com a cabeça
raspada aparecia, diziam: “Ah! Eles estão com o George”.
Mukunda:
No “Ballad of John and Yoko”, John e Yoko atacaram a imprensa pela
maneira com que ela pode produzir uma falsa imagem de você e
perpetuá-la. Levou bastante tempo e esforço para fazer a imprensa
entender que somos uma religião genuína, com escrituras que antecedem o
Novo Testamento em mais de três mil anos. Pouco a pouco, entretanto,
mais pessoas – entre eruditos, filósofos e teólogos – têm se aproximado,
e hoje respeitam muito a antiga tradição vaishnava, na qual o moderno movimento para a consciência de Krishna tem suas raízes.
George:
A imprensa é culpada de tudo, de todos os conceitos errôneos sobre o
movimento, mas, em um sentido, não importa realmente se eles disserem
algo bom ou ruim, porque a consciência de Krishna sempre parece
transcender, de qualquer forma, essa barreira. O fato de que a imprensa
levou as pessoas a conhecerem Krishna já é algo bom.
Mukunda:
Srila Prabhupada sempre nos treinou para nos mantermos fixos em nossos
princípios. Ele dizia que a pior coisa que poderíamos fazer seria
permitirmos algum “ajuste” ou diluirmos a filosofia em troca de
popularidade barata. Embora muitos svamis e yogis tenham
vindo da Índia para o Ocidente, Prabhupada foi o único que teve a pureza
e a devoção para estabelecer a milenar filosofia da consciência de
Krishna em todo o mundo, com base em seus próprios termos – não
açucarada, mas como ela é.
George: Isso é verdade. Ele foi um exemplo perfeito daquilo que ensinou.
Mukunda: Quando você fez o álbum “Material World”, você usou uma foto interna tirada do Bhagavad-gita de Prabhupada, mostrando Krishna e Seu amigo e discípulo Arjuna. Por quê?
George: Sim! No álbum se diz: “Foto extraída do Bhagavad-gita Como Ele É,
de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada”. Foi uma promoção para vocês, é
claro. Eu quis dar a todos a oportunidade de ver Krishna, conhecê-lO.
Essa é a ideia, não é?
Mukunda:
Em um de seus livros, Prabhupada disse que o sincero serviço que você
prestou foi melhor do que o de certas pessoas que pesquisaram mais
profundamente a consciência de Krishna porém não puderam manter o seu
nível de fé. Como você se sente a esse respeito?
George:
Maravilhoso. É algo que me deu esperanças, porque, como dizem, mesmo um
momento na companhia de uma pessoa divina, de um devoto puro de
Krishna, pode ajudar imensamente, e acho que Prabhupada realmente ficou
satisfeito com a ideia de que alguém de fora do templo estava ajudando a
fazer o álbum. O simples fato de que ele estava satisfeito foi
encorajador para mim. Eu sabia que ele gostava da gravação “O Mantra
Hare Krishna”, e ele pedia aos devotos que sempre tocassem aquela canção
“Govinda”. Eles ainda a tocam, não é mesmo?
Mukunda: Todo templo tem uma gravação dessa canção, e nós a tocamos toda manhã quando os devotos se reúnem em frente ao altar, antes do kirtana. É uma instituição da ISKCON, pode-se dizer.
George:
E se eu não recebia inspiração de Prabhupada em minhas canções sobre
Krishna ou sobre a filosofia, eu a recebia dos devotos. Esse era todo o
estímulo de que eu precisava. Qualquer coisa espiritual que eu fizesse,
fosse através de canções, fosse ajudando na publicação de livros, ou o
que fosse, parecia realmente agradá-lo. Minha canção “Living in the
Material World”, conforme escrevi em I, Me, Mine, foi
influenciada por Srila Prabhupada. Foi ele quem me explicou que não
somos o corpo físico. Apenas acontece de estarmos nele.
Como eu disse na canção, este lugar não é realmente aquilo que parece; não pertencemos a ele, mas sim ao céu espiritual:
Pois estou condenado ao mundo material
Frustrado no mundo material
Os sentidos nunca satisfeitos
Somente oscilando como a maré
Que poderia me afogar no mundo material
A única razão para estarmos aqui é encontrar a maneira de escaparmos.
Assim
era Prabhupada: ele não apenas falava sobre amar Krishna e sair deste
lugar, mas também era o exemplo perfeito. Ele falava sobre sempre cantar
e vivia cantando. Creio que o fato de que ele era o exemplo perfeito de
tudo o que pregava era talvez o elemento mais encorajador para mim, ao
menos para fazer eu me esforçar cada vez mais em busca de ser um
pouquinho melhor.
Mukunda:
Você escreve em sua autobiografia que “não importa quão bom você seja,
ainda assim você precisa de misericórdia para escapar do mundo material.
Você pode ser um yogi, um monge ou uma freira, mas, ainda assim,
sem a graça de Deus, não conseguirá escapar”. No fim da canção “Living
in the Material World”, a letra também diz: “Espero escapar deste lugar
pela graça do Senhor Sri Krishna, minha salvação deste mundo material”.
Se dependemos da graça de Deus, o que significa a expressão “Deus ajuda
aqueles que se ajudam”?
George:
A graça é flexível, creio. Por um lado, nunca sairei daqui a menos que
seja pela graça dEle; por outro lado, Sua graça é relativa à quantidade
de desejo que posso manifestar. A quantidade de graça que eu espero de
Deus deve ser igual à quantidade de graça que eu possa receber ou obter.
Ganho conforme o meu investimento. É como na canção que escrevi com
base em Srila Prabhupada, “The Lord Loves the One that Loves the Lord”:
O Senhor ama aquele que ama o Senhor
E a lei diz que se você não der então não receberá amor
Mas o Senhor ajuda aqueles que se ajudam
E a lei diz que qualquer coisa que você faça voltará para você
Você ouviu a canção “That Which I Have Lost”, do meu novo álbum, “Somewhere in England?”. É derivada do Bhagavad-gita. Nela falo sobre lutar contra as forças da escuridão, das limitações, da falsidade e da mortalidade.
Mukunda: Sim, gosto dela. Se as pessoas puderem entender a mensagem do Senhor no Bhagavad-gita,
poderão ser realmente felizes. Muita gente, ao começar sua vida
espiritual, adora Deus como algo impessoal. Qual é a diferença entre
adorar Krishna, ou Deus, sob Sua forma pessoal, e adorar Sua natureza
impessoal como energia ou luz?
George:
É como a diferença de lidar com um computador e lidar com uma pessoa.
Como eu disse antes, “Se Deus existe, quero vê-lO”, não apenas ver Sua
energia ou Sua luz, mas Ele mesmo.
Mukunda:
Não acredito que seja possível calcular quantas pessoas voltaram-se
para a consciência de Krishna através de sua canção “My Sweet Lord”.
Você passou por uma experiência muito pessoal antes de decidir fazer
aquela canção. Em seu livro, você disse: “Pensei muito sobre fazer ou
não ‘My Sweet Lord’, porque estaria me revelando publicamente... Muitas
pessoas temem as palavras Senhor e Deus... Eu estava colocando meu
pescoço debaixo da guilhotina... mas, ao mesmo tempo, pensei: ‘Ninguém
está dizendo isto... por que devo ser falso comigo mesmo?’. Cheguei à
crença na importância de que, se você sente algo muito forte, deve
dizê-lo”.
“Eu
queria mostrar que ‘Aleluia’ e ‘Hare Krishna’ são a mesma coisa. Fiz as
vozes cantando ‘Aleluia’ e depois mudei para ‘Hare Krishna’ para que as
pessoas cantassem o maha-mantra antes que se dessem conta do que
estava acontecendo! Fazia muito tempo que eu vinha cantando Hare
Krishna, e essa canção era uma simples ideia de como fazer uma canção pop ocidental equivalente a um mantra,
que repete sempre e sempre os santos nomes. Não me sinto culpado ou mal
em relação a isso, pois, com efeito, isso salvou muitos de uma vida
viciada em heroína”.
Por que você achou que, de alguma forma, deveria colocar Hare Krishna no álbum? Apenas “Aleluia” não teria sido o suficiente?
George:
Bem, em primeiro lugar, “Aleluia” é uma expressão de júbilo dos
cristãos, mas “Hare Krishna” tem seu lado místico. É mais do que apenas
glorificar a Deus: é pedir para tornar-se Seu servo. Além disso, por
causa da disposição do mantra, com a mística energia espiritual
contida naquelas sílabas, está muito mais perto de Deus do que o modo
como o cristianismo O representa comumente. Embora Cristo, a meu ver,
seja um yogi absoluto, acho que muitos mestres cristãos da
atualidade têm uma noção errônea acerca de Jesus Cristo. Supostamente
eles representam Jesus, mas não o estão fazendo muito bem. Eles estão se
desviando muito dele, o que é muito ruim.
Minha ideia em “My Sweet Lord”, por parecer uma canção pop,
era persuadi-los da seguinte maneira. Eu queria fazer com que eles não
se sentissem ofendidos: primeiro, ouviriam “Aleluia” e, ao ouvirem “Hare
Krishna”, já estariam fisgados, batendo os pés, de modo que se
deixariam levar por um sentido de falsa segurança. E, de repente, quando
eu mudasse o coro para “Hare Krishna”, eles o estariam cantando também,
antes que se dessem conta do que acontecera, e pensariam: “Ei, eu
achava que não deveria gostar de Hare Krishna!”.
As
pessoas escrevem até hoje me perguntando que estilo era aquele. Dez
anos mais tarde, estão tentando entender o que significam aquelas
palavras. Realmente, foi apenas um pequeno truque, e não ofendeu. Por
alguma razão, nunca obtive nenhuma reação ofensiva dos cristãos, que
apenas disseram: “Gostamos até certo ponto, mas o que é que ‘Hare
Krishna’ tem a ver com tudo isso?”.
“Aleluia”
pode ter sido originalmente alguma coisa mântrica que caiu de moda, mas
não tenho certeza do que significa realmente. A palavra grega para
Cristo é kristos, que, no fundo, é o mesmo que Krishna.
Mukunda: Em I, Me, Mine, você fala sobre karma
e reencarnação e sobre como a única maneira de escapar do ciclo é
aceitar um processo espiritual genuíno. Você diz em um trecho: “Todos
estão preocupados com a morte, mas a causa da morte é o nascimento.
Assim, se você não quer morrer, não nasça!”. Algum dos outros Beatles
acreditava na reencarnação?
George:
Tenho certeza de que John acreditava! E não gostaria de subestimar Paul
e Ringo. Eu não me surpreenderia se eles tivessem alguma esperança de
que isso seja verdade. Pelo que conheço de Ringo, ele deve ser um yogi disfarçado de baterista!
Mukunda: Paul tem nosso último livro, o Voltando a Nascer. Onde você pensa que a alma de John está agora?
George:
Espero que ele esteja em um bom lugar. Ele tinha a compreensão de que
cada alma reencarna até se purificar completamente e de que cada alma
recebe aquilo que merece, conforme as reações a suas ações nesta vida e
em vidas anteriores.
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