UVA
Ela nasceu num dia 13 de março, faz 31
anos, e foi morar na minha casa, já que lá era o lugar onde vivia sua mãe.
Nada sabíamos sobre bebês, e embora ela fosse um bebê de bom tamanho segundo
os padrões médicos, eu a achava tão pequenina, biscuizinho de extrema
fragilidade, que me dava medo de pegar no colo, temendo que pudesse se
quebrar. Cabia deitada no assento de uma poltrona para uma pessoa, e desde
os primeiros dias mostrou o quanto era esperta – num instantinho aprendeu a
botar a boca no mundo se era colocada na caminha, já totalmente competente
quando ao seu querer que lhe dizia que era melhor estar no colo da mãe.
Recebera o nome de Laura, e com um mês de
vida, estava tão esperta que já se botava a chorar só de ouvir que a
televisão era ligada, sinal certo de que alguma atenção lhe seria subtraída.
Foi aí pela altura de um mês de vida, quando tanto eu quanto a mãe dela
andávamos cansadas e irritadas com tanto choro, que resolvi aconselhar algo
que lera em algum livro que ensinava alguma coisa sobre bebês. Era domingo
à noite e sonhávamos poder assistir, pelo menos uma vezinha, ao programa
Fantástico, que estava a começar, e fora só ligar a televisão para que
aquela “menina dourada”, conforme dissera dela a avó ao conhecê-la, pusesse
a boca no mundo.
- Há que se ensiná-la. Vamos botá-la na
caminha e deixar chorar, que ela vai acabar dormindo.
Como criminosas, a mãe dela e eu
assistimos ao pior Fantástico das nossas vidas, absolutamente angustiadas
com aquele choro que agora já era bem forte, e que ficou vindo lá do quarto
durante duas horas inteiras, em arremedados piques de desespero, enquanto
olhávamos, sem ver, para a telinha, tendo certeza de que éramos as piores
criaturas do mundo, por estarmos deixando aquele anjinho chorar assim.
O choro parou assim que o programa
terminou e desligamos a televisão. Tudo ficou tão em silêncio que entrei em
pânico.
- “Será que ela não morreu?” – a angústia
assolava meu coração cheio de remorso quando, pé ante pé, adentrei ao
quarto, apavorada com tal possibilidade. Silenciosamente, aproximei-me do
bercinho espreitando a possibilidade de ainda qualquer possibilidade de vida
diante daquele silêncio, para ficar cheia de surpresa: ressonando com a
maior das tranqüilidades, Laura dormia sossegadamente, coisa que durou até a
manhã seguinte!
Assim, aos poucos, fomos aprendendo a
lidar e a criar uma pequena menina dourada, e muitas coisas foram
acontecendo. O primeiro vestidinho que ela usou, meses depois, foi um de
organdi cor-de-rosa, ganho da Nilza, a minha amiga que foi mãe da Nani, do
Rodrigo e do Roberto. Tenho fotos dela com aquele vestidinho prematuro,
passeando de carrinho num sol de inverno. É claro que ela reinava nas nossas
vidas, que já não seria mais possível viver sem ela.
Eu não lembro se foi antes ou depois do
vestidinho cor-de-rosa – sei que um dia ela disse a primeira palavra.
Normalmente as crianças primeiro dizem “mamãe”, não é mesmo? Pois com Laura
não foi assim. Eu brincava com ela deitada no sofá, toda linda e dourada,
com os grandes olhos azuis muito expressivos rindo para mim, e de repente
saiu a palavra – ela disse: “Uva”. Foi assim que traduziu meu nome. Disse
“mamãe” um pouquinho depois.
Mesmo quando aprendeu a falar todas as
coisas corretamente, o que aconteceu muito cedo, eu sempre continuei sendo
“Uva” para ela. Quando ela entrou na escola, os amiguinhos dela também
passaram a me chamar de “Uva”. Mesmo na adolescência, quando ela costumava
vir almoçar na minha casa com seu grupo de amigos do colégio, todos eles
ainda me chamavam de “Uva”.
Depois o mundo foi dando muitas voltas e
acabamos ficando muito longe uma da outra. Hoje ela faz aniversário.. Parece
mentira que tanto tempo já passou! Ainda a vejo com os grandes olhos
profundamente azuis cheios de riso, a dizer tão claramente a primeira
palavra: “Uva”.
Parabéns da sua Uva, minha menina
dourada! Que a vida possa lhe ser leve e boa!
Blumenau, 13 de Março de
2014.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora,
doutora em Geografia e tia.
segunda-feira, 17 de março de 2014
Cronicas da Urda - UVA
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