Afinal, É Válido o Termo “Hindu”?
Sri Nandanandana
Uma investigação das diferentes teorias para a origem do termo “hindu” e de sua validade para designar a cultura védica.
É
importante esclarecermos o uso das palavras “hindu” e “hinduísmo”. O
fato é que o verdadeiro “hinduísmo” se baseia no conhecimento védico,
que é relacionado à nossa identidade espiritual. Muitas pessoas aceitam
sim o termo como o mesmo que sanatana-dharma,
que é um termo sânscrito mais preciso para o caminho védico. Nossa
genuína identidade espiritual está além de quaisquer nomes temporários,
como cristianismo, islamismo, budismo ou mesmo hinduísmo. Afinal, Deus
jamais Se descreve como pertencente a quaisquer de tais categorias,
dizendo-Se apenas um Deus cristão ou um Deus muçulmano ou um Deus hindu.
Por isso alguns dos maiores mestres espirituais da Índia evitam se
identificar apenas como hindus. O caminho védico é eterno, logo além de
todas essas designações temporárias. Estou, então, chamando o nome
“hindu” de uma designação temporária?
Temos
que nos lembrar de que o termo “hindu” sequer é sânscrito. Numerosos
estudiosos dizem que o mesmo não se encontra em parte alguma da
literatura védica. Então, como esse nome pode realmente representar a
cultura ou o caminho védico? E sem a literatura védica, não há base para
“hinduísmo”.
A
maioria dos estudiosos considera que o nome “hindu” foi desenvolvido
por estrangeiros invasores que não conseguiam pronunciar o nome do rio
Sindhu apropriadamente. Algumas fontes defendem que foi Alexandre, o
Grande, quem pela primeira vez renomeou o rio Sindhu para Indu, omitindo
o “s” inicial e assim tornando mais fácil a pronúncia para os gregos. O
rio ficou conhecido, então, como Indus. Isso se deu quando Alexandre
invadiu a Índia por volta de 325 a.C. Suas forças macedônias, então,
passaram a chamar a terra a leste do Indus de Índia, um nome usado
especialmente durante o regime britânico.
Posteriormente,
quando os invasores muçulmanos chegaram de localidades como o
Afeganistão e a Pérsia, chamaram o rio Sindhu de rio Hindu.
Consequentemente, o nome “hindu” foi usado para descrever os habitantes
das terras nas províncias do noroeste da Índia, onde se localiza o rio
Sindhu, e a região em si foi chamada de “Hindustão”. Porque o som
sânscrito de “s” se torna “h” na língua parse, os muçulmanos
pronunciavam sindhu como hindu, muito embora as pessoas da
área pessoalmente não usassem o nome “hindu”. A palavra foi usada pelos
estrangeiros muçulmanos para identificar as pessoas e a religião
daqueles que viviam naquela área. Com o tempo, mesmo os indianos
conformaram-se com o termo utilizado por aqueles no poder e adotaram os
nomes hindu e Hindustão. De outro modo, a palavra não tem significado
exceto por aqueles que lhe dão valor ou a usam por conveniência.
Outra
visão do termo “hindu” demonstra a desorientação que causa no
entendimento da verdadeira essência dos caminhos espirituais da Índia.
Como escrito por R. N. Suryanarayan em seu livro Universal Religion (p.1-2,
publicado em Mysore em 1952): “A situação política do nosso país há
séculos, digamos entre vinte e vinte e cinco séculos, torna muito
difícil compreender a natureza desta nação e de sua religião. Os
estudiosos ocidentais, e historiadores também, fracassaram no que diz
respeito a traçar o verdadeiro nome desta terra Brahman, um país de
dimensões continentais, e, portanto, contentaram-se em tratá-la pelo
termo ‘hindu’, apesar de ser um termo sem sentido. Essa palavra, que é
uma inovação estrangeira, não é utilizada por nenhum de nossos
escritores sânscritos ou reverenciados acharyas em suas obras.
Parece que o poder político foi o responsável por insistir na
continuação do uso da palavra ‘hindu’. A palavra ‘hindu’ se encontra, é
claro, na literatura persa. Hindu-e-falak significa ‘o negro do céu’ e ‘Saturno’. Na língua arábica, hind, não hindu,
significa ‘nação’. É vergonhoso e ridículo ler o tempo todo na história
que o nome ‘hindu’ foi dado pelos persas ao povo de nosso país quando
aportaram no solo sagrado de Sindhu”.
Outra
visão da fonte do nome “hindu” se baseia em um sentido depreciador. É
dito ser “certo que o nome ‘hindu’ foi dado à raça ariana original da
região por parte dos invasores muçulmanos a fim de humilhá-los. Na
língua persa, a palavra significa ‘escravo’, e, de acordo com o islã,
todos aqueles que não aderem ao islã são chamados de ‘escravos’”. (Maharishi Shri Dayanand Saraswati Aur Unka Kaam, editado por Lala Lajpat Rai, publicado em Lahore, 1898, em Introdução)
Um dicionário persa intitulado Lughet-e-Kishwari, publicado em Lucknow em 1964, fornece o significado da palavra “hindu” como “chore [ladrão], dakoo [saqueador], raahzan [assaltante] e ghulam [escravo]”. Em outro dicionário, o Urdu-Feroze-ul-Laghat (Parte Um, p. 615), o significado persa da palavra hindu é descrito ainda como barda (criado obediente), sia faam (cor negra) e kaalaa (preto). Assim, tudo isso são expressões denigritórias ao povo indiano na visão dos persas.
Basicamente,
então, “hindu” é a mera continuação do termo muçulmano que se tornou
popular apenas dentro dos últimos 1300 anos. Desta forma, podemos
entender que não é um termo sânscrito válido, tampouco tem algo a ver
com a verdadeira cultura védica ou o caminho espiritual védico. Nunca
existiu uma religião que se chamasse hinduísmo até o povo indiano em
geral colocar valor nesse nome e aceitar o seu uso. É surpreendente,
então, que alguns acharyas indianos e organizações védicas não se interessem por usar o termo?
A
grande confusão começou quando o nome “hinduísmo” passou a ser usado
para indicar a religião do povo indiano. As palavras “hindu” e
“hinduísmo” foram usadas frequentemente pelos britânicos com o intuito
de grifar as diferenças religiosas entre os muçulmanos e as pessoas que
se tornaram conhecidas como hindus. Isso foi feito com a intenção
bem-sucedida de criar atrito entre os habitantes da Índia de acordo com a
política britânica de “dividir e reinar” para tornar mais fácil seu
contínuo domínio sobre o país.
Todavia, devemos mencionar que outros que tentam justificar a palavra “hindu” apresentam a ideia de que os rishis
de tempos remotos, muitos milhares de anos atrás, também chamavam a
Índia central de Hindustão, e o povo que vivia ali, de hindus. O
seguinte verso, supostamente pertencente ao Vishnu Purana, Padma Purana e à Bruhaspati Samhita, é apresentado como prova, mas ainda não estou certo em relação a onde exatamente o verso pode ser encontrado:
aasindo sindhu aryantham yasyabharatha bhumikah
mathrubhuh pithrubhuchaiva sah vai hindurithismrithaah
Outro verso diz: sapta
sindhu muthal sindhu maha samudhram vareyulla bharatha bhumi
aarkkellamaano mathru bhumiyum pithru bhumiyumayittullathu, avaraanu
hindukkalaayi ariyappedunnathu. Ambos os versos mais ou menos
indicam que quem quer que considere a terra de Bharatha Bhumi, entre o
Sapta Sindu e o Oceano Índico, como sua terra natal é conhecido como
“hindu”. Porém, aqui também temos a menção do verdadeiro e antigo nome
da Índia, que é Bharata Bhumi. “Bhumi” significa Mãe Terra, mas Bharata é
a terra de Bharata, ou Bharata-varsha, que é o território indiano. Em
numerosas referências védicas nos Puranas, no Mahabharata e
outros textos védicos, a região da Índia é referida como
Bharata-varsha, ou a terra de Bharata, e não Hindustão. O nome
Bharata-varsha certamente ajuda na apresentação das raízes e do passado
glorioso do país e de seu povo, especialmente em relação à sua cultura
védica.
Outras duas referências comumente utilizadas são as seguintes:
himalayam samaarafya yaavat hindu sarovaram
tham devanirmmitham desham hindustanam prachakshathe
himalyam muthal indian maha samudhram vareyulla
devanirmmithamaya deshaththe hindustanam ennu parayunnu
Estas
também indicam que a região entre os Himalayas e o Oceano Índico se
chama Hindustão. Assim, a conclusão é que todas as pessoas da Índia são
hindus independente de sua casta ou religião. É claro que nem todos
concordarão com isso.
Outros dizem que, no Rig Veda,
Bharata é referido como o país de “Sapta Sindhu”, isto é, o país de
sete grandes rios. Isso é naturalmente aceitável. Contudo, exatamente de
qual livro e de qual capítulo esse verso vem é algo que precisa ser
esclarecido. Não obstante, alguns dizem que a palavra sindhu se
refere a rios ou mares, e não meramente ao rio específico chamado
Sindhu. Além disso, é dito que, no sânscrito védico, de acordo com
dicionários antigos, sa era pronunciado como ha. Assim,
pronunciava-se “Sapta Sindhu” como “Hapta Hindu”. Supõe-se, então, que
foi assim o surgimento da palavra “hindu”. Também se diz que os antigos
persas se referiam a Bharata como “Hapta Hind”, como registra o clássico
Bem Riyadh. Essa é outra razão para alguns estudiosos acreditarem que a palavra “hindu” tem sua origem na Pérsia.
Outra
teoria é que o nome “hindu” sequer vem do nome Sindhu. A. Krishna Kumar
explica: “Essa visão [de Sindhu/Hindu] é insustentável uma vez que os
indianos naquele tempo tinham a mais elevada e invejável posição no
mundo em termos de civilização e riquezas, e não é possível que não
tivessem um nome. Eles não eram aborígenes desconhecidos aguardando para
serem descobertos, identificados e cristianizados por estrangeiros”.
Ele cita um argumento do livro Self-Government in India, por N. B. Pavgee, publicado em 1912. O autor cita um idoso swami e sanscritista de nome Mangal Nathji, que encontrou um antigo Purana conhecido como Brihannaradi na vila Sham, Hoshiarpur, Punjab. O mesmo continha este verso:
himalayam samarabhya yavat bindusarovaram
hindusthanamiti qyatam hi antaraksharayogatah
Mais uma vez, a localização exata desse verso no Purana
não é informada, mas Kumar o traduz assim: “A terra compreendida entre
as montanhas Himalayas e o Bindu Sarovara (Cabo Camorim) é conhecida
como Hindusthan pela combinação da primeira sílaba ‘hi’, de ‘Himalaya’, e
a última sílaba ‘ndu’, de ‘bindu’”.
Acredita-se,
é claro, que isso deu origem ao nome “hindu”, atribuindo uma origem
indígena ao nome. A conclusão é que as pessoas vivendo nessa área são
conhecidas, portanto, como “hindus”.
De
qualquer modo que essas teorias possam apresentar suas informações e de
qualquer modo que possamos refletir sobre elas, o nome “hindu” tem
origem simplesmente como uma designação corpórea e regional. O nome
“hindu” se refere a uma localização e a seus habitantes, e originalmente
não tinha nenhuma ligação com a filosofia, a religião ou a cultura das
pessoas, que certamente podiam mudar de uma para outra. É certamente
correto dizer que todos da Índia são indianos, mas e quanto à sua
religião e ao seu pensamento? Estes são conhecidos por numerosos nomes
segundo as várias aparências e crenças. Assim, eles não são todos
hindus, e muitos que não seguem o sistema védico já objetam serem
chamados por esse nome. “Hindu”, portanto, não é o nome mais apropriado
para um caminho espiritual, senão que o termo sânscrito sanatana-dharma é muito mais apropriado. A cultura dos indianos antigos e sua história é a cultura védica, ou o dharma
védico. É mais acertado, portanto, usar um nome baseado nessa cultura
para aqueles que a seguem do que um nome que apenas diz respeito à
localização de um povo.
Por conseguinte, o caminho espiritual védico é mais adequadamente tratado por sanatana-dharma, que significa “a ocupação imutável e eterna da alma em seu relacionamento com o Ser Supremo”. O dharma do açúcar, por exemplo, é ser doce, e isso não muda. E se não é doce, não é açúcar. Ou o dharma do fogo é fornecer calor e luz. Se não faz isso, não é fogo. Da mesma forma, existe um dharma, ou natureza, próprio da alma, que é sanatana, eterno. Tal dharma é imutável. Há, portanto, o estado de dharma e o caminho do dharma. Seguir os princípios do sanatana-dharma
pode nos levar ao estado puro de reavermos nossa esquecida identidade
espiritual e nosso relacionamento com Deus. Essa é a meta do
conhecimento védico. Assim, o conhecimento dos Vedas e de toda a literatura védica, tal como a mensagem do Senhor Krishna no Bhagavad-gita, bem como os ensinamentos das Upanishads e dos Puranas,
não se limitam apenas a hindus, que são restritos a determinada regiões
do planeta ou famílias. Esse conhecimento, na verdade, destina-se ao
mundo inteiro. Como todos são seres espirituais e têm a mesma essência
espiritual, como descrevem os princípios do sanatana-dharma, todos têm o direito e o privilégio de entender esse conhecimento.
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