O Paraíso
Perdido
Cabral e
suas caravelas chegaram lá em 1500; de lá Caminha escreveu a primeira carta;
algumas expedições estiveram lá naquele século, e depois não aconteceu mais
nada.
Situado no litoral Sul da Bahia, Porto Seguro
vegetou durante 472 anos praticamente no esquecimento, mantendo na magia dos
seus arraiais algo assim como a soma de uma Idade Renascentista/Medieval somada
à força da América tupiniquim e com laivos da África, tão abandonada por todos
de fora que apenas um navio passava lá por mês, levando poucas notícias e poucos
recursos. Assim, não chegou lá o progresso, nem com as coisas boas nem com as
más, e sua população pode viver, durante quase cinco séculos, numa inocência de
coração e de idéias como em nenhum outro lugar se vivia.
Aí, em 1972, o presidente Médici construiu a
estrada, de asfalto, moderna, bem no auge do movimento hippie brasileiro, e
foram aqueles cândidos seguidores da filosofia de Francisco de Assis os
primeiros a descobrirem o paraíso. Foi o casamento perfeito: uma cultura de
1500, de repente se encontrava com a cultura ultramoderna da paz e do amor – o
resultado foi o aperfeiçoamento do paraíso!
Porto
Seguro já era um lugar fantástico – tornou-se um lugar encantado! Quem veio
vindo, depois, não queria acreditar: aquilo não existia! É difícil transformar
em palavras a magia em que Porto Seguro se tornou: aquilo lá não parecia fazer
parte do mundo. Havia uma atmosfera, na cidade e nos arraiais, de uma liberdade
tão grande, mas tão grande, que ninguém tinha coragem de avançar um milímetro
que fosse na liberdade alheia. A cidade adotou o lema: “Liberdade sem limites”,
e nunca soube de outro lugar onde os limites fossem tão vastos e tão
respeitados. Dizia-se que se ficasse mais de quatro dias em Porto Seguro,
corria-se o risco de não se ir mais embora, e era verdade: criou-se a classe dos
anativados, pessoas que foram para as férias e nunca mais voltaram. Só pessoas
com boas cabeças, iam ou ficavam lá: não era raro encontrar-se um professor de
Física Nuclear da Suíça a vender sanduíche natural na praia, ou uma jornalista
de São Paulo a trabalhar de garçonete nas noites, para garantir o seu lugar ao
Sol no paraíso. Ouvia-se todas as línguas em Porto Seguro, e as pessoas que iam
ou estavam lá sabiam exatamente o valor do patrimônio que possuíam, o patrimônio
da liberdade, da alegria, da magia. E quem ia uma vez ia sempre, apesar das
dificuldades para lá se chegar, e lembro dos tempos em que aguardava as férias
sonhando com os arraiais da Ajuda e de Trancoso, com as noites na Lambada e na
Passarela do Álcool, com o Sol das praias de Mucugê e de Trancoso, com o banho
de argila na Lagoa Azul. Ainda nesses tempos de encantamento, ganhei um concurso
literário lá, com a seguinte frase: “Porto Seguro é um lugar onde a gente se
levanta mais cedo para ter mais tempo de fazer nada”. Acho que a frase diz tudo.
Poderia ficar interminavelmente falando de como era bom, de como as pessoas eram
gentis, de como a natureza era maravilhosa, de como as amizades nasciam
espontaneamente, de como se curtia a noite e os dias, agora que chegou o tempo
da saudade. Pois os encanto e a magia de Porto Seguro se acabaram.
Construíram lá, faz alguns anos, um aeroporto
imenso, que colocou a terra de descobrimento nos prospectos de todos os agentes
de viagem do país. E o turismo começou pra valer, com todos os malefícios que o
turismo trás.
Pelos dias inteiros, o ano inteiro, agora,
descem aviões e mais aviões e mais aviões cheios de gente em Porto Seguro, gente
que nada sabe sobre aquele lugar mágico a não ser o que seu agente de viagem
disse, gente que não sabe que ali existia a magia mais pura, a mais doce forma
de vida. As pessoas chegam lá como se estivessem indo para qualquer lugar comum,
como Camboriú, ou Guarujá, ou Copacabana, cheios de malas e roupas chiques,
cheios de idéias pré-concebidas, com toda a sua bagagem de preconceitos, e nade
vêem do paraíso. E depois de uma semana voltam felizes por terem estado em Porto
Seguro, sem fazerem idéia do que perderam, sem saberem que poderiam ter ido para
Camboriú ou Copacabana, que daria na mesma.
Perdeu-se a magia, perdeu-se o encanto. Para os
velhos freqüentadores de Porto Seguro, dá vontade de chorar. Eu creio que não
volto mais lá. Afinal, Camboriú pode ser um qualquer lugar, mas Porto Seguro era
único. E acabou.
Blumenau,
19 de Novembro de 1995
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR
Nenhum comentário:
Postar um comentário