Texto de Amílcar Neves
Os comunistas de 64
Em 1964 havia comunistas no Brasil. Assim como negros, homossexuais, pobres, mulheres, evangélicos, estadunidenses, índios, integralistas e políticos corruptos.
A partir daquele 1º de abril, os militares que subverteram a ordem institucional, rasgando a Constituição e derrubando pela força dos dólares o governo democraticamente eleito, criaram a categoria dos subversivos, apelido que deram a quem se opunha ao golpe e à ditadura que se impôs sob as bênçãos do empresariado nacional e multinacional. Os ditos subversivos foram implacavelmente perseguidos e afugentados do País; mais tarde, passaram a ser presos, torturados e assassinados sem direito a defesa nem julgamento. A barbárie triunfava.
Já os corruptos foram divididos em dois grupos, o dos amigos e o dos inimigos. Os inimigos receberam tratamento similar ao dos subversivos, enquanto os amigos financiavam o novo regime e lucravam ainda mais com a supressão das liberdades, a ausência de fiscalização e a impossibilidade de denúncias. Adhemar de Barros, governador de São Paulo, foi um dos importantes líderes civis do golpe cinicamente chamado, pelo Sistema militar, de "revolução democrática"; sua marca nas campanhas políticas apoiava-se em dois verbos: "rouba mas faz". Era um contraponto aos políticos gananciosos que "só" roubam sem fazer nada pelo povo.
Adhemar era o pai político de Paulo Maluf, o qual já existia na época. A diferença entre eles é que Adhemar queria ser presidente e preparava sua candidatura para as eleições de 1965, enquanto Maluf só pensou em presidência bem depois; assim, ele podia continuar corrompendo que não atrapalhava os planos da "revolução redentora", outro cinismo do Sistema. Não era o caso de Adhemar, cassado porque os militares não precisavam de amigos com aspirações ao poder. Carlos Lacerda, outro civil instigador do golpe, foi preventivamente cassado pelo mesmo motivo: arvorar-se em candidato à Presidência. Até que, pensando melhor, o Sistema resolveu pelo óbvio: cassar as eleições diretas em si, pois é mais fácil e mais barato manipular e pressionar o povo do Congresso do que o povo do Brasil.
Ali pelo entorno do ano 2000 frequentei muito o Distrito Federal devido a obrigações profissionais. Passava, a cada vez, de 20 a 30 dias direto em Brasília e lá conheci muita gente. Abundavam coronéis da Reserva por tudo o que era lado, sempre em funções de peso em empresas de "consultoria". Com um deles travei conhecimento mais longo e às vezes conversávamos noite a dentro. Ele me contava do seu tempo de capitão do Exército, quando atuou anos em uma unidade responsável por coisas como "operações de guerra irregular, reconhecimento especial, contrainformação e contraterrorismo".
- Aquela bandeira enorme do Partido Comunista - ele contava, gaiato -, fixada na torre da Central do Brasil no comício do dia 13 de março de 1964, a gota d'água para a deposição do Jango, foi obra minha e do capitão XYZ: subimos lá no alto e pregamos o pano vermelho. Aliás, a maior parte das faixas e bandeiras do PC erguidas durante o comício foi levada por gente minha, infiltrada na multidão.
"As bandeiras vermelhas pedindo a legalização do PC, as faixas que exigiam a reforma agrária, etc. foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores", diz o historiador Boris Fausto no livro História do Brasil. Foi uma provocação. Os militares acusaram João Goulart de tentar um golpe comunista. Quinze dias depois, o presidente foi deposto.
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