Livro aborda como literatos de diversos gêneros reconstruíram a imagem do poeta inconfidente Tomás Antonio Gonzaga
Autores de diversos gêneros literários, como Castro Alves, Cecília Meireles, Antonio Barreto e Rui Mourão, unem ficção e história – como se tecessem “um bordado com dois fios” – para dar novos traços à imagem do poeta inconfidente Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810). Ele é representado a partir de modelo identitário ligado à construção de um projeto de nação.
Essa ideia é destrinchada no livro Fios e bordados (Editora UFMG), de Ilca Vieira de Oliveira, que resulta de tese de doutorado defendida há seis anos na Faculdade de Letras da Universidade. “Apresento como as imagens do Gonzaga são reconstruídas no imaginário brasileiro, como ele aparece na poesia, no drama e na narrativa dos dois últimos séculos, como representante de mitos simbólicos do Estado-nação”, explica a autora, que é professora da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
De acordo com Ilca de Oliveira, os românticos, apesar de construírem imagem idealizada do poeta Gonzaga nos textos Gonzaga ou a conjuração de Tiradentes, de Teixeira e Sousa, Dirceu de Marília, de Joaquim Norberto, e Gonzaga ou a revolução de Minas, de Castro Alves, já delimitavam em sua escrita uma heterogeneidade nacional. Ela diz que Castro Alves recorre à história da Inconfidência Mineira para criticar a política do país e põe em cena a escravidão e a situação da mulher. Em Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, A barca dos amantes, de Antônio Barreto, e Boca de chafariz, de Rui Mourão, a imagem do poeta é apresentada a partir de diferentes perspectivas.
“A construção do texto já traz em seu tecido ficcional um registro fragmentário da história e do indivíduo. E as imagens do poeta que foram consagradas pelos escritores românticos e pelo governo de Getúlio Vargas serão confrontadas através de um discurso polifônico”, diz Ilca de Oliveira. “A imagem de Gonzaga que se configura na ficção literária brasileira está em processo de renovação contínua.”
O interesse da pesquisadora pelo século 18 e por Marília de Dirceu (1792), obra mais importante de Gonzaga, vem desde a iniciação científica, na graduação em Letras, e desdobrou-se na pesquisa de mestrado. Nessa fase dos estudos, ela descobriu, nas histórias da literatura brasileira, referências a textos ficcionais que retomavam a história de Minas do século 18 e personagens históricas. “Essa investigação revelou que escritores recriavam imagens de Gonzaga, juntamente com imagens da nação. E resolvi me aprofundar sobre o tema”, ela conta.
De acordo com Ilca de Oliveira, a escrita de Marília de Dirceu, obra mais importante de Gonzaga, coincidiu com as academias literárias do século 18, em que letrados e intelectuais se reuniam para discutir arte e ciência. Esse momento foi marcado pela criação da Arcádia mineira, por Cláudio Manoel da Costa. Tomás Gonzaga produziu poesia apoiada na estética árcade, mas inovou sobretudo, segundo Ilca, no ritmo e na estrofação das liras, derivadas das odes anacreônticas (cantos de amor pastoril) e em suas tendências pré-românticas.
Itamar Rigueira Jr. (Boletim UFMG)
Mito do amor idealizado
Nascido na cidade do Porto, Gonzaga passou parte da infância em Pernambuco, com o pai, ouvidor-geral da província, mas se formou em Direito na Universidade de Coimbra. Atuou como juiz em Portugal antes de voltar ao Brasil em 1782, para ocupar o cargo de ouvidor dos defuntos e ausentes da comarca de Vila Rica, e permaneceu no país por 10 anos. Em 1789, foi preso sob acusação de integrar o movimento contra Portugal. Passou pela Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e foi então deportado para Moçambique, onde morreu.
Segundo Ilca de Oliveira, a importância dessa última viagem do poeta é a contribuição para a configuração do mito do amor idealizado na tradição literária e cultural brasileira. “O exílio impediu o casamento de Gonzaga (que se uniria na África a Juliana de Mascarenhas) com Maria Doroteia, e portanto a concretização do amor, dos sonhos e da liberdade”, esclarece a autora.
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