segunda-feira, 6 de julho de 2009

REFLEXÕES DE UM ARTISTA PLÁSTICO: Francisco Antônio Zorzo


REFLEXÕES DE UM ARTISTA PLÁSTICO

*Francisco Antônio Zorzo*

Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana

Para melhor podermos apreciar a produção ensaística de Antônio Luiz M.Andrade, Almandrade, foi publicada, finalmente, a coletânea de seusartigos. Estampada com o título de "Escritos sobre Arte".

Graças à publicação, pode-se perceber o alcance da contribuição deAlmandrade e destacar algumas das principais articulações do conjuntode ensaios. É digno de nota, desde logo, indicar que as reflexões foram gestadas ao longo da carreira do artista plástico e acompanharama construção de uma obra singular. Retomando umpercurso dentro daarte contemporânea brasileira, desde o início da década de 1970, atrajetória do poetagarante a consistência e a riqueza ensaística dolivro.

Convém, portanto, observar a conjugação de dois vetores de força que confluem no conjunto de ensaios. Um, que corresponde à obra de um artista que participa de um contexto em transformação e, outro, de acompanhar o seu direcionamento teórico. Vale lembrar, como uma referência para situar a produção de Almandrade dentro da história da arte brasileira, o marco da sua acolhida por pessoas como Wladimir Dias Pino e Hélio Oiticica, figuras da vanguarda que derivavam de uma ampla vertente construtivista que se consolidava no país a partir da experiência do Concretismo e do Neoconcretismo.

Não é por acaso que a capa do livro contém uma imagem do trabalho de Almandrade que foi elogiado pelo próprio Hélio Oiticica. Com aquele, objeto que inseria uma gilete dentro de uma garrafa, Almandrade incorria no debate cortante a respeito da arte conceitual. Com essa postura ele passou a observar uma posição consciente em relação a nova objetividade e a procedimentos que estavam fora da tradição acadêmica.

Não é sem importância a sua formação como arquiteto, pois em arquitetura o significado de cada elemento depende de seu uso e experimentação singular. Todas as reflexões de Almandrade foram pensados a partir de uma concepção que busca criar uma nova ordem ambiental e inventar um novo jogo combinatório de formas e idéias. Nesse caminho, o livro constitui uma excelente oportunidade para se avaliar a coerência do pensamento construtivo de Almandrade.

Em Escritos sobre Arte, os textos foram colocados em quatro grandes blocos, que procuraram conservar clara coerência com o sua proposta intelectual. No livro, há um primeiro bloco teórico, com textos mais abstratos que discutem conceitos empregados no campo da arte. Um dos interesses maiores do livro é discutir e tornar visível alguns princípios de composição, de explicitar a pergunta sobre a lógica de composição que cada artefato viabiliza.

Há, na segunda parte do livro, análises e leituras das obras de vários artistas. Almandrade é generoso em opinar sobre exposições e mostras, de modo que vários nomes comparecem no livro fazendo um panorama dos mais atualizados das artes da Bahia. São abordados artistas renomados e artistas experimentais, pessoas a quem o autor ofereceu seu diálogo e procurou respeitar os projetos. É valoroso notar o empenho do autor em colocar, lado a lado, artistas conhecidos ao nível internacional e nacional, tais como Picasso e Almílcar de Castro, com nomes de personalidades baianas tais como Rubem Valentim ou Mário Cravo.

A terceira e a quarta parte contém ensaios que reintroduzem as maiores polêmicas sustentadas pelo autor. Almandrade faz uma bem elaborada crítica cultural, colocando em discussão os rumos da arte em Salvador. São ensaios que analisam problemas concretos, que foram publicados em jornal ou revistas, mas que conservam validade e atualidade. Seria muito longo listar aqui o rol de questões debatidas, mas o conjunto vai do debate do lugar do museu, tomando como caso de estudo o Museu Feminino, até a crítica aos rumos da interferência da comunicação no contexto do espaço público soteropolitano.

Todos esses campos o autor parece cruzar soberanamente com sua solidão. Com sua figura individual, mas sem fugir do convívio com os artistas de sua geração, Almandrade tornou-se um mestre, incorporando a atitude do pesquisador. Almandrade assim procede com simplicidade, conduzindo um olhar reflexivo que nunca se afasta dos sentimentos e da cidadania política. Por levantar questões importantes, com sentido crítico e com propósito de orientação dentro do campo artístico baiano, deve ser lido com atenção "Escritos sobre Arte".

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