sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Dos filhos deste solo



Dos filhos deste solo: 2ª edição revista e ampliada

Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio


712 Páginas
Edição: 2. Edição Revista e Ampliada


Um resgate da história das pessoas que perderam a vida nas lutas contra a opressão política e a injustiça social no Brasil pós-1964. Co-edição com a Boitempo Editorial. Indicado para o Prêmio Jabuti 2000.

Apresentação à 2ª Edição

Novos Paradigmas



A segunda edição deste livro, nove anos após a primeira, ocorre em uma situação histórica peculiar. De 1999 para cá, houve algumas mudanças de paradigmas. A Lei 9.140/95, que reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado pelas mortes e desaparecimentos de opositores políticos, foi modificada duas vezes. Em 2002, ainda no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e a pedido da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), foi reaberto o prazo para requerimentos de exame de casos e ampliado o período de abrangência da Lei para 1961-1988 (antes era 1961-1979).

Por que 1961? No episódio da renúncia do Presidente Jânio Quadros, após nove meses de mandato, a legalidade foi quebrada e setores das Forças Armadas tentaram controlar o poder com a implantação de um parlamentarismo casuístico, abrindo-se um período de radicalização de conflitos políticos e sociais. Por que 1988? Neste ano, foi promulgada a Constituição mais democrática da história do País, encerrando-se o ciclo autoritário com a transição denominada de Nova República.

A segunda mudança na Lei ocorreu em 2004, no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando foram consideradas responsabilidade do Estado as mortes em manifestações de protesto contra a ditadura e as mortes por suicídio em conseqüência de seqüelas de torturas ou para escapar aos seus suplícios, as resultantes de confrontos com agentes da repressão estatal e, ainda, as decorrentes da Operação Condor com a participação de agentes brasileiros.

As duas ampliações da Lei permitiram que muitos casos fossem examinados ou reexaminados, possibilitando a correção de injustiças. A CEMDP examinou 160 novos requerimentos. Só não foram objeto de reparação os casos de pessoas que não tiveram comprovação de morte por perseguição política. A ampliação do conceito de reparação do período de abrangência e a dilatação dos prazos de requerimentos fizeram jus ao espírito da Anistia. Somente essas mudanças na Lei 9.140/95 e a nova situação que delas resultou justificariam a segunda edição revista e ampliada deste livro.

Em 2002, entrou em vigor a Lei 10.559/02 e a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que estimava receber 10 mil petições de vítimas de perseguição política, acolheu 68 mil requerimentos referentes a pessoas que passaram por prisões arbitrárias, torturas, demissões por perseguição política, tiveram carreiras ceifadas, foram mortas ou sofreram desaparecimento forçado. Desse modo, outro requisito básico para o avanço e a consolidação da democratização do país vem sendo efetivado.

Países do Cone Sul, que passaram por ditaduras sangrentas, cancelaram leis de impunidade e “auto-anistia” e estão levando a juízo torturadores e seus comandantes como tem acontecido na Argentina, no Chile e de, certo modo, no Uruguai.

Os sistemas jurídicos internacionais também buscam cumprir seu papel de proporcionar Justiça quando as ordens jurídicas nacionais se prostituem, denegando direitos e acobertando impunidades. Juízes da Espanha e da Itália têm processado ditadores e torturadores em defesa de seus nacionais atingidos por crimes de lesa-humanidade. O direito internacional é, assim, uma esperança para resgatar a dignidade dos ofendidos que permanecem em situação de injustiça. No Brasil, pelo menos duas famílias (a Telles e a de Luiz Merlino) conseguiram a instalação de ações declaratórias (não visam ao processo penal ou cível) para atestar como torturadores altos oficiais que comandaram torturas, assassinatos e seqüestros de opositores à ditadura.

Outra novidade foi a requisição à Polícia Federal pelo Ministério Público Federal de São Paulo de inquéritos para apurar responsabilidades pelo seqüestro político de pelo menos três argentinos desaparecidos no Brasil em 1980: após a Lei da Anistia de agosto de 1979, que supostamente beneficiou torturadores.

E mais: a sentença judicial definitiva ordena a abertura dos arquivos militares sobre as operações de combate à Guerrilha do Araguaia.

Cresce nos meios jurídicos, políticos e na sociedade civil a convicção de que o Brasil está preparado para rediscutir a interpretação da Lei de Anistia, visando à responsabilização dos que, em nome do Estado, cometeram crimes imperdoáveis. A democracia no Brasil está consolidada, as instituições funcionam, não há espaço político para golpistas e antidemocráticos. Nesse sentido, a segunda edição de Dos filhos deste solo reforça o que os autores já defendiam na primeira.

É preciso saudar todas as novas obras dedicadas ao tema – livros, reportagens investigativas, documentários, filmes – que vão desvendando a história recente. E, de maneira especial, o livro Direito à memória e à verdade, editado pelo Estado brasileiro por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, em cumprimento ao mandato da Lei 9.140/95. Agora já se pode dizer que a história oficial é a que está relatada ali e, portanto e finalmente, deve ser a fonte para livros, currículos escolares e variadas obras de arte.

Felizmente, todas as mudanças que levaram a esta segunda edição são benfazejas. Dos Filhos deste Solo tornou-se referência e fonte para inúmeras publicações no Brasil e no exterior. Esgotou-se há cinco anos, mas foi necessário ter paciência para esperar o momento adequado à reedição. Infelizmente, em nove anos, nem um único caso novo de desaparecimento foi esclarecido. Dos 163 casos conhecidos, apenas três foram elucidados. Enquanto a verdade não emergir e os restos mortais dos desaparecidos não forem devolvidos às suas famílias, a luta dos movimentos de anistia e direitos humanos certamente continuará.

Há uma crescente e saudável insatisfação no que se refere aos arquivos da época da ditadura. A sociedade brasileira não teve acesso aos arquivos sobre as operações militares no Araguaia, às informações sobre a participação de diplomatas na cooperação com a repressão contra brasileiros no exterior, aos arquivos da Polícia Federal quando atuou como polícia política, nem aos arquivos de extermínio e seqüestro seguidos de mortes e ocultação de cadáveres.

Há, portanto, um crescente questionamento na sociedade quanto às atuais leis referentes a arquivos. Forma-se cada vez mais um amplo consenso sobre o direito à memória. Nesse sentido, para finalizar, vale recordar o encontro de 2005 entre Nilmário Miranda e Alain Touraine, no qual o sociólogo francês disse algo que, com certeza, está e continuará presente aqui: Quem não tiver capacidade de conhecer e expressar a verdade sobre o passado não construirá o futuro. Os livros escolares têm de contar o que realmente aconteceu, com a honestidade, por exemplo, das obras sobre o nazismo. A memória é a base para a formação da cidadania. As vítimas sempre têm que ser ouvidas.

UM LANÇAMENTO



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