quarta-feira, 4 de abril de 2018

[Lançamento Editora 34] VIAGEM SENTIMENTAL, de Viktor Chklóvski, último livro da série Narrativas da Revolução

Viagem sentimental
Viktor Chklóvski
Tradução e notas de Cecília Rosas
Posfácio de Galin Tihanov

Coleção Leste – Narrativas da Revolução | 408 p. | 14 x 21 cm | 492g | ISBN 978-85-7326-689-4| R$ 67,00  

Viktor Chklóvski (1893-1984), o grande crítico formalista russo, autor de Sobre a teoria da prosa, foi instrutor de blindados, comissário do exército e conspirador antibolchevique durante a Primeira Guerra Mundial, as revoluções de Fevereiro e Outubro de 1917 e a guerra civil que se seguiu em seu país. Viagem sentimental, publicado em 1923, é seu impressionante testemunho sobre este período caótico e violento, escrito com uma prosa peculiar, que mescla ironia e lirismo, abordando desde os fronts de guerra até a vida literária no início da república soviética.
Viagem sentimental é o título que o crítico russo Viktor Chklóvski emprestou de Sterne para dar nome às suas memórias dos turbulentos anos de 1917 a 1922. Escrito durante a guerra civil russa, o livro trata da Primeira Guerra Mundial, da revolução de 1917 e da vida literária no início da república soviética. O autor, hoje reconhecido como o fundador da escola formalista de crítica literária, foi também instrutor de direção de carros blindados, comissário de guerra, conspirador antibolchevique e especialista em bombas. Para narrar essa vida que mais parece um romance de aventuras, a prosa digressiva e coloquial de Viagem sentimental está sempre no limite entre a memória e a ficção, entre o testemunho lacônico e as explosões de lirismo.
Primeira tradução em português da obra, esta edição inclui ainda um ensaio inédito de Galin Tihanov, professor da Universidade de Londres, que esclarece os vínculos entre a teoria formalista e a prosa modernista de Chklóvski. Este livro faz parte da série Narrativas da Revolução, dirigida por Bruno Barretto Gomide, da Universidade de São Paulo. Publicadas na década de 1920, as cinco obras de ficção escolhidas dialogam diretamente com a Revolução Russa de 1917 e dão prova da diversidade de caminhos estéticos e da extraordinária força inventiva do período.
Sobre o autor
Viktor Boríssovitch Chklóvski nasceu em 1893 em São Petersburgo. Em 1912 ingressou na Faculdade de História e Filologia, mas, com a eclosão da guerra, juntou-se ao exército como voluntário e passou a servir como instrutor na divisão de carros blindados. Nesse período conturbado formou a OPOIAZ, grupo pioneiro na análise formal da literatura, e publicou textos seminais como “A arte como procedimento”. Teve participação ativa na Revolução de Fevereiro e no recém-criado soviete de Petrogrado, e viajou ao front ucraniano e à Pérsia como comissário de guerra do Governo Provisório. Após a Revolução de Outubro, teve envolvimento na conspiração antibolchevique encabeçada pelo Partido Socialista Revolucionário e teve que refugiar-se em Sarátov, onde dedicou-se aos ensaios que comporiam seu livro Sobre a teoria da prosa, publicado em 1925.

Em 1919 volta a Petrogrado e leciona no Instituto de História da Arte e nos estúdios do projeto Literatura Mundial, liderado por Górki, além de compilar suas memórias da guerra e da revolução que vão integrar o livro Viagem sentimental (1923). Após um breve exílio em Berlim, torna-se um dos líderes do grupo que editava o famoso periódico LEF. Nas décadas que se seguiram continuou a escrever crítica e teoria literária, trabalhando também como editor de filmes e roteirista para o Comitê Estatal de Cinematografia, além de publicar os livros Sobre Maiakóvski (1940) e Lev Tolstói (1963). Morreu em Moscou, em 1984, aos 91 anos de idade.
Sobre a tradutora
Cecília Rosas é mestre e doutoranda em Literatura e Cultura Russa pela FFLCH-USP, com dissertação de mestrado sobre Púchkin. Deste autor traduziu os volumes Noites egípcias e outros contos (2010) e O conto maravilhoso do tsar Saltan (2013), além de organizar e traduzir, de Dostoiévski, a coletânea O ladrão honesto e outros contos (2013). Mais recentemente foram lançadas suas traduções dos livros A margem esquerda, segundo volume dos Contos de Kolimá de Varlam Chalámov (2016), e A guerra não tem rosto de mulher, da Prêmio Nobel de Literatura Svetlana Aleksiévitch (2016).

Texto de orelha
Viktor Chklóvski (1893-1984) viveu em tempos de fanatismo e perseguição. O autor ficou célebre como um dos fundadores da teoria literária do século XX. “A arte não é a sombra de uma coisa”, escreveu ele, em sua Teoria da prosa. “Ela é a própria coisa.”

Publicado em 1923, Viagem sentimental é uma coisa desnorteante. Um livro de memórias escrito por um jovem. O qual perambula como comissário do exército pela Rússia e até a Pérsia, na Ucrânia e através do Cáucaso, em meio ao caos e à violência da Primeira Guerra Mundial, das revoluções de fevereiro e outubro de 1917 e da guerra civil que se sucedeu.
O título é escamoteado da obra de um avô do romance moderno, Laurence Sterne, que em 1768 publicou Uma viagem sentimental pela França e a Itália. A alusão irônica a esse modelo inglês já indica de saída que será adotado um ponto de vista avesso a qualquer sentimentalismo. Mas, ao sarcasmo do século XVIII, Chklóvski acrescenta a crueza do XX: “Tinha o tronco de uma pessoa grande”, escreve, sobre um cadáver feito com pedaços de gente morta por uma explosão no front. “Foi posta nele uma cabeça pequena, e sobre o peito havia dois braços pequenos, desiguais, ambos esquerdos.”
A Viagem sentimental de Chklóvski também é formada com a recombinação arbitrária de fragmentos de gêneros literários diferentes — o conto, o depoimento, o relato de viagem, a reportagem. São disjecta membra: os membros espalhados da tradição e da Belle Époque, atropelados pela aceleração dos tempos.
Trata-se agora de juntar humor e horror, abandonando qualquer parâmetro possível de bom gosto ou sobriedade. Embaralhado com a constante sabotagem das suas expectativas, o leitor se vê tão atônito quanto o narrador. O mosaico tem um resultado romanesco, e se aproxima do que o próprio Chklóvski escreveu sobre o “romance em paródia” de Sterne — mas com uma urgência até então desconhecida.
“Cidadãos, parem de matar!”, é o apelo que se ouve no livro quando o assunto já é a violência contra poetas e intelectuais de uma “geração que esbanjou seus poetas” (no dizer de Roman Jakobson). Linchamentos, fuzilamentos e execuções sumárias são o pão-de-cada-dia dessa trajetória em que muitas vezes falta o pão de farinha comum. O anti-herói então se lembra da resposta do Arlequim, quando perguntam se prefere ser enforcado ou esquartejado: “Prefiro sopa”.
Como quem joga uma bota velha na fervura de batatas mirradas, Chklóvski engrossa o caldo da literatura e inventa uma espécie de memorialismo de vanguarda. Mestre da frase curta e mordaz, da colagem abrupta e da digressão sistemática, ele testa em Viagem sentimental todos os recursos que já tinha examinado em sua obra teórica.
Nos anos imediatamente anteriores ao período coberto neste livro, o provocativo teórico do “estranhamento” (ou “desfamiliarização”) não podia adivinhar o mundo estranho que estava por vir. Radical, ele negava o historicismo, repelia as explicações biográficas. Logo a história viria buscá-lo, como se fosse um agente da KGB, para incrementar sua própria biografia. O que fazer com o “recurso técnico” do estranhamento quando a realidade de repente se torna, ela própria, tão pouco familiar? Nesta Viagem sentimental ele tenta, entre outras coisas, esboçar uma resposta.
Sérgio Alcides

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