POEMA IV
O concreto da cidade está sujo de neblina.
Não sentimos o desejo de ir a parte alguma
apenas, um vago e secreto instinto de esquecer.
O paradoxo do espelho reflete
a nítida imagem dos nossos passos.
Não há abismos.
A rotina casada repele o impreciso
o medo de ir longe demais estreita o caminho
e ele é mais difícil já que chegamos a uma encruzilhada
Ninguém espreita o silêncio.
Nós nos escondemos e nos trituramos,
nós fechamos as mãos
até sentirmos brancas as pontas dos dedos
para que não se escoe o pouco de ternura
que nos resta.
Voltamos o rosto e abraçamos a nós próprios
desmarcamos todos os encontros
e tornamos nulos estes vinte séculos de espera.
Adoramos nossos rostos
e julgamos incansáveis nossos braços
Nada mais nos cabe amar se nunca amamos.
Enquanto é noite nós nos enfeitamos para o dia.
ninguém nos vê,
estamos belos demais para nos fitarmos
e todos estamos ricos demais para darmos,
para sorrirmos ou para vivermos.
Esculpimos nossas estátuas e não compreendemos
que o mundo possui heróis demais.
falta-lhe tão somente homens.
Já é quase noite. É o momento dos espelhos.
É tempo de nos enfeitarmos e escondermos
sob a divindade de nossas faces
o grande medo de sermos humanos.
Myrtha em 1975
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