sábado, 3 de agosto de 2013

Lívia e o cemitério africano de Alberto Martins



Lívia e o cemitério africano


de Alberto Martins


Gravuras do autor

Coleção Nova Prosa

160 p. | 12 x 21 cm


Um arquiteto em crise às voltas com a mãe senil, um sobrinho adolescente, portador de uma doença degenerativa, e a inquietante figura de Lívia, a namorada de seu falecido irmão, que, com suas viagens misteriosas e um obscuro interesse por arqueologia, tanto ilumina como confunde o percurso do protagonista. Este é o núcleo básico de Lívia e o cemitério africano, relato tenso e cristalino que, ao mesmo tempo em que questiona os limites da própria fabulação, reafirma, com precisão desconcertante , o poder regenerador das narrativas.



Lívia e o cemitério africano chega às livrarias oito anos após a estreia do autor na ficção, retomando a trajetória do narrador de seu romance inaugural, A história dos ossos (Editora 34, 2005). Este novo volume dá sequência a sua exploração do universo narrativo.



Fruto de uma prosa enxuta que lembra em muitos momentos a concisão de um poema, o livro se constrói por meio de capítulos curtos que ora se completam, ora se contrapõem bruscamente, criando, na passagem e no confronto entre eles, novas possibilidades de leitura. Função similar têm as dezesseis páginas de xilogravuras, inseridas pelo autor em momentos cruciais da narrativa. Nada disso, entretanto, obstrui a fluência do relato nem o interesse pelo destino de seus personagens. Cientes de que o vaivém das histórias, assim como nossas verdades mais entranhadas, não se deixa apreender por um movimento linear, estes se entregam saborosamente a passeios por desvios e estradinhas vicinais.



Nesse sentido, vale observar a atenção incomum dada à geografia nesse romance breve que, tendo como epicentro a cidade de São Paulo, articula a capital, as cidades à sua volta, a Baixada Santista, o litoral italiano, zonas da América do Sul e remotas localidades europeias. Lívia e o cemitério africano traça imprevistas correspondências no espaço e no tempo para construir, como escreve Chico Mattoso no texto de orelha, um livro fascinante e original, dotado de uma “capacidade quase infinita de sugestão”.



Sobre o autor_ Escritor e artista plástico, Alberto Martins nasceu em Santos, SP, 1958. Formou-se em Letras na USP em 1981, e nesse mesmo ano iniciou sua prática de gravura na ECA-USP. Como escritor publicou, entre outros, os livros Poemas (1990); Goeldi: história de horizonte (1995), que recebeu o Prêmio Jabuti; A floresta e o estrangeiro (2000); Cais (2002); A história dos ossos (2005), distinguido com o Prêmio Portugal Telecom de Literatura; A história de Biruta (2008); a peça Uma noite em cinco atos (2009) e Em trânsito (2010), menção honrosa no Prêmio Moacyr Scliar de Literatura. Em 2011 passou uma estadia no Bellagio Center, na Itália, para a conclusão do romance Lívia e o cemitério africano.



Apresentação


por Chico Mattoso



Um arquiteto em crise é procurado pela namorada de seu falecido irmão. Sem muitas explicações, a mulher anuncia que vai viajar e lhe pede que cuide do filho adolescente, portador de uma doença degenerativa. Dividido entre os cuidados com a mãe senil e a súbita companhia do sobrinho doente, ele passa a tentar decifrar os discursos truncados dos dois — o menino com “memórias demais”, a velha com “memórias de menos”.



Eis o ponto de partida de Lívia e o cemitério africano, um livro construído sob o signo da aniquilação. Histórias, pessoas, vozes, lugares — tudo, nesta novela, existe aos pedaços, como se o mundo fosse feito de cacos em decomposição. Da sobreposição desses fragmentos nasce um relato conciso, cristalino, que cresce em tensão à medida que ganha novos e inesperados desdobramentos.



Assim como em A história dos ossos (2005), sua estreia na ficção, Alberto Martins trabalha com a articulação de polos opostos e complementares: silêncio e fala, sombra e luz, imobilidade e deslocamento. A narrativa, porém, jamais abandona aquele que parece seu tema fundamental: a relação entre extinção e vestígio — o olhar agudo sobre aquilo que é capaz de sobreviver à ação destruidora do tempo. Nesse sentido, a personagem da mãe do menino, sempre às voltas com misteriosas viagens e um obscuro interesse em arqueologia, se transforma numa espécie de farol narrativo, a iluminar o trajeto do protagonista — não à toa, ela é a única personagem do livro a ganhar um nome.



Parte da estranha beleza de Lívia e o cemitério africano advém do contraste entre a degradação do mundo físico e a consciência luminosa do protagonista. Ao lado do sobrinho, cuja “fala torta, cheia de saltos e pedaços faltando” o obriga a constantes reinterpretações, esse homem olha para as coisas com uma tocante curiosidade, tentando extrair, de sua superfície esgarçada, algo de sólido e permanente.



Não é uma missão fácil. Espremida entre um passado perdido e um presente indecifrável, a aventura afetiva do protagonista parece irremediavelmente destinada ao fracasso. Sua busca também aponta para um questionamento dos próprios limites da fabulação. Como narrar, afinal, em um mundo quebrado, em que tudo não passa “de uma névoa, de uma suspeita”?



A resposta parece estar na própria estrutura deste relato, em sua precisão desconcertante, em sua capacidade quase infinita de sugestão — que reafirmam, contra todos os prognósticos, o poder regenerador da literatura. Como diz uma de suas personagens, “Toda história que se ouve é feita do eco de outras histórias. Mas nem por isso é menos verdadeira”. Não haveria melhor maneira de descrever o brilho estilhaçado desta novela fascinante e original.


 UM LANÇAMENTO

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