Na edição de hoje do Boletim de Conjuntura, publicamos uma entrevista exclusiva com o Prof. Dr. Sérgio Amadeu, sociólogo especialista na área de comunicação digital e mídias sociais, discutindo o papel das redes nas mobilizações sociais atuais e as possibilidades de utilização deste meio de comunicação pelos partidos.
Qual foi o fator catalizador que levou o "caldo de cultura" produzido nas redes nos últimos anos para as ruas? Apenas a repressão policial explica isso?
SA: Não. Existia uma grande indignação represada. As principais forças políticas pareciam acreditar que o parlamento e as eleições tinham absorvido todas as expressões dos conflitos. Além disso, o Estado e os partidos desconsideravam as conversações nas redes. Quando no início de junho, pequenos coletivos começaram a se mobilizar contra o aumento das tarifas do transporte público, conseguiram adesão de jovens da periferia. Analisando as postagens nas redes sociais percebemos que quanto mais a repressão policial aumentava, mais solidariedade de outros coletivos se consolidava, mais os jovens aderiam a ideia de ir para as ruas. O enaltecimento da vitória na Turquia também foi um fator de estímulo. A mídia de massa percebeu a virada da opinião pública quando a absurda enquete televisiva do programa do Datena, na Record, no dia 13 de junho, sobre se as pessoas concordavam com manifestações com baderna foi vencida pelo sim. A brutal repressão desencadeada pela polícia paulista teve a cobertura em tempo real dos próprios manifestantes, o que impediu os filtros e conhecidos acordos da imprensa. Milhares de fotos e vídeos feitos pelos protagonistas geraram uma grande adesão ao movimento, gerando a explosão nas ruas do dia 17 de junho.
Em sua opinião, o movimento pode ser considerado puramente espontâneo ou houve papel decisivo de grupos de rede e da grande mídia na mobilização social e na definição das bandeiras que as pessoas adotaram nas manifestações?
SA: A mobilização foi iniciada por pequenos coletivos, principalmente pelo Movimento do Passe Livre. Recebeu a pronta solidariedade de diversos articulações de rede, principalmente alguns grupos que se reivindicam Anonymous. Quando analisamos as milhares de postagens e comentários nas redes sociais percebemos que micro-lideranças de opinião foram se formando, que nenhuma força política tradicional, nem partido, nem sindicato, teve qualquer relevância nas mobilizações que eram chamadas nas redes e explodiam nas ruas. A mídia percebeu que o movimento tinha ganho o coração da juventude e por isso, começou a disputar as bandeiras e a condução do movimento. Depois da escalada de redução das tarifas de ônibus, a mídia começou a falar para sua base de classe média e tentou conduzir o debate para o desgaste do governo federal. Observando mais profundamente as conversas na rede percebemos que os micro-mobilizadores de direita passaram a se conhecer e ganharam confiança para levar suas causas para a rua. Também é perceptível que a maioria das conversas não poupam a manipulação da mídia e os poderosos. Mas quem são eles? As redes estão em disputa. Redes de opinião cada vez mais enfrentarão outras redes de opinião. Os militantes de sofá são decisivos quando resolvem descer o sofá para as ruas. O que estamos vendo é a consolidação da esfera pública interconectada e o cenário em que a mídia de massas não é mais o principal terreno de disputa da opinião.
Como é possível utilizar as redes sociais para pensar uma nova maneira de comunicação, gestão e mobilização nos partidos atuais, particularmente em um partido com base social e sindical como o PT?
SA: Os partidos são estruturas de representação, portanto de intermediação, moldadas no mundo industrial. Na sociedade informacional, as redes trouxeram a crise da intermediação para a indústria da música, para a imprensa, para o mundo editorial, para atividade de ensino e também para os partidos. Eles precisam se horizontalizar e entender que a rede permite maior transparência, melhores debates do que na velha TV e inúmeras possibilidades de abrir canais efetivos de participação. Mas, ainda alguns vão para as redes apenas para "panfletar", pois dialogar e conversar exige dedicação. Além do mais, é bem trabalhoso manter reputações nas redes. Todavia, redes são conversações. É curioso notar que o PT que batalhou e implantou o orçamento participativo, tenha praticamente abandonado esta temática no exato momento em que as redes tecnológicas permitem a formação de plataformas de debate, consulta e deliberação. Não existe um modelo de reconfiguração dos partidos, até porque a ideologia e objetivos de cada partido condicionam muito sua estrutura real. Entretanto, nas redes, o processo é tão importante quanto os fins.
O que pode ser considerado fundamental para produzir esta mudança na estrutura de comunicação e gestão partidária?
SA: Primeiro, é efetivamente estar disposto a construir processos válidos de conversas nas redes que redundem em ações políticas efetivas e mudanças de proposições reais. Não adianta fazer de conta. Não basta ter um belo site ou página no Facebook. Quase todos os partidos têm isso. As forças de esquerda devem assumir que elas podem se democratizar muito mais utilizando a comunicação em redes digitais distribuídas. Elas precisam querer se digitalizar, não para se distanciar das bases, mas para se aproximar delas no seu cotidiano. Quantos videochats a direção do PT realizou nos últimos meses com a militância? Provavelmente muito poucos. Como serão os debates no Congresso do PT? Teremos conferências e debates online que envolvam todos aqueles que simpatizam com o partido? Ou ainda continuaremos pensando que tudo isso é supérfluo.
Análise: Guilherme Mello, Economista
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