domingo, 27 de maio de 2012
Exposição Rito Resigno abrange trabalhos que realizam diálogo entre o sagrado e poéticas artísticas
O Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza abrirá no próximo dia 29 (terça-feira), às 18 horas, a exposição coletiva "Rito Resigno", com os artistas Ana Cristina Mendes (CE), Aslan Cabral (PE), Grupo Empreza (GO), Rubiane Maia (ES), Melissa Garcia (México) e Regina José Galindo (Guatemala), com curadoria de Ana Cecília Soares e Júnior Pimenta.
A abertura contará com a performance "A flor da pele. Para La Fontaine", da artista Rubiane Maia. Com entrada franca, a mostra ficará em cartaz até 29 de junho próximo (horários de visitação: terça-feira a sábado, de 10h às 20h; e aos domingos, de 12h às 18h).
Texto curatorial (por Ana Cecília Soares e Júnior Pimenta)
Na história da humanidade encontramos um recorrente auxílio à esfera religiosa (mágica) para tudo aquilo que a desorientava ou fugia de seu controle. Nas culturas mais antigas tudo era vivido num plano duplo onde coexistia a realidade e o mundo indizível. Não havia um só campo da vida do homem que não tivesse relação com o sagrado. Na arte não seria diferente, o artista enquanto ser simbólico servia de meio à transcendência do espírito.
Atualmente, mesmo, com o abrandamento da manifestação religiosa no pensamento ocidental, observa-se a emergência de sintomas capazes de exprimir na produção artística permanências do sentimento sagrado. Para a pesquisadora Maria Amélia Bulhões, este fenômeno pode ser identificado na recorrência aos temas do catolicismo e dos mitos africanos e indígenas, estabelecendo uma ponte das tradições do passado com as experiências do presente.
A inserção de posturas e procedimentos ritualísticos na produção contemporânea é expressiva. Promovendo uma relação espiritualizada do artista e do público com a arte, e desta maneira uma vivência específica com o sagrado. Os objetos ou as performances podem adquirir o mesmo teor místico de um ritual religioso ou mágico desde que se estabeleça entre seus participantes uma espécie de pacto de crença, e que estes entrem num sistema simbólico partilhado e comum a todos os presentes.
A exposição Rito resigno abrange um conjunto de trabalhos que realiza esse diálogo entre o sagrado e as poéticas artísticas nos tempos de hoje. Os seis artistas participantes trazem a temática à tona de maneira bem peculiar, conduzindo e incitando no espectador diferentes questões.
"Abraço líquido" (2007/2008), videoperformance de Ana Cristina Mendes (CE), faz referência aos rituais na água praticados pelas mulheres celtas na fonte de Bònegre no Sul da França (hoje seca). A artista aproxima essa realidade com as das lavadeiras cearenses, com ênfase na ideia de um ritual de passagem, em que ambas trocam com a água suas energias, seu suor, suas forças e com isso se renovam.
"Antropofagia" (2005), videoperformance do Grupo Empreza (GO), a partir da simulação de um artista "comendo" o cabelo de outro, o trabalho faz referência ao ritual antropofágico praticado por algumas tribos indígenas no Brasil. Esse tipo de prática servia, dentre outros motivos, para reverenciar os espíritos dos antepassados e vingar os membros da aldeia mortos em combate. Após as batalhas contra tribos inimigas, a antropofagia tinha caráter apoteótico, mobilizando todos os membros da aldeia numa sucessão de danças e encenações que terminavam com a matança de prisioneiros e o devoramento de seus corpos. Assim, acreditavam que ao comer a carne de um inimigo guerreiro, iriam adquirir seus conhecimentos e suas qualidades.
"Perra" (2005), videoperformance de Regina José Galindo (Guatemala). Nesta obra a artista escreve a palavra "perra" (cachorra em português), com uma faca sobre sua perna. Embora, realize uma denúncia aos abusos cometidos contra as mulheres na Guatemala, onde têm aparecido vários corpos femininos torturados e com inscrições feitas com faca ou navalha. A artista se vale de uma cerimônia ritualística em que a importância do sacrifício jaz no fato de que ela sacraliza o ato social e o novo relacionamento que este produziu. Por meio da ação sacrificial, Galindo é levada à catarse, convocando em si e no outro uma descarga de sentidos e emoções.
Outro trabalho de Galindo é "Autocanibalismo" (2001). Uma videoperformance, onde ela executa o ato de comer parte de sua carne, apropriando-se de um ato corriqueiro para muitas pessoas, que é o de roer as unhas. Este autodevoramento apresenta em sua origem traços ritualísticos, uma espécie de antropofagia de si mesmo.
"A flor da pele. Para la Fontaine" (2011), é a fusão de duas performances de Rubiane Maia (ES). O trabalho faz alusão ao sacrífico, um dos pilares das práticas ritualísticas; que se serve como ferramenta de "iluminação" capaz de transcender o corpo, levando o indivíduo para outro estágio da consciência.
"Intra Melissa (en cinco partes)" (2009), fotoperformance de Melissa Garcia (México), trata de uma investigação sobre a dor e autoconhecimento. Inicialmente, ela promove a retirada do seu próprio sangue, traçando as seguintes etapas: extração, contatos tátil, olfativo, degustativo e reabsorção do sangue. Um ciclo sanguíneo externo. Como nos antigos rituais, ao transcender o próprio funcionamento do corpo e a dor através da representação trágica de sua performance, é como se a artista atingisse a um plano sublime, conquistando, dessa forma, sua própria recompensa.
"Goodbye World" (2006), videoperformance de Aslan Cabral (PE). Nesse trabalho, ele simulou sua própria morte, ao tomar um coquetel de medicamentos. O artista ficou 6 horas inconsciente. Ele passou por todas as etapas de um ritual fúnebre: da lavagem de seu corpo até ser colocado dentro de um caixão. O artista vivencia uma espécie de morte simbólica, o que lhe permite um mergulho em si. Uma experiência que ressoa na sua maneira de pensar e sentir o mundo, como uma ritualística para a libertação.
Rito resigno promove um recorte de algumas das nuances oriundas das interseções entre as práticas ritualísticas e as poéticas contemporâneas. Refletindo questões enraizadas no imaginário mágico e religioso do próprio ser humano. Como pontua o pesquisador Mircea Eliade, no livro "O sagrado e o profano": o homem é "um ser sagrado por natureza".
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