quinta-feira, 16 de junho de 2011

ROSA COMPARADO



Brasileiro radicado nos EUA analisa obra de Guimarães Rosa em diálogo com nomes como Faulkner, Calvino e Tolstoi

Itamar Rigueira Jr. - Boletim UFMG


“Os textos literários verdadeiramente inovadores resistem às obsessões individuais e aos contextos locais que os originaram, ao mesmo tempo em que se inserem numa série histórica na qual, inevitavelmente, introduzem transformações”, afirma Luiz Fernando Valente, professor da americana Brown University. Segundo ele, é essa dialética entre a tradição e o talento individual – nas palavras de T.S. Eliot –, e não a ênfase em supostas características permanentes da chamada condição humana, que torna universais as grandes obras e justifica a prática comparativa.

Valente se refere ao trabalho que acaba de publicar, pela Editora UFMG: Mundivivências: leituras comparadas de Guimarães Rosa. Resultado de mais de três décadas de reflexão sobre a obra do escritor mineiro, o livro parte de conceitos estabelecidos por Valente para propor um diálogo entre vários textos de Rosa e obras de William Faulkner, Ítalo Calvino, Leon Tolstoi, Carl Jung e Paul Ricoeur.

“A obra de Guimarães Rosa, produto de sua vasta cultura humanística, está enraizada na tradição literária e filosófica ocidental, com a qual dialoga autoconscientemente”, diz o pesquisador. “Não há, portanto, como não ler sua obra comparativamente.”

Para Luiz Fernando Valente, as narrativas de Guimarães Rosa rejeitam a literatura como mera representação e estimulam o leitor, por meio de intenso diálogo com o texto – que ele qualifica como “afetivo” –, a vislumbrar novas possibilidades e “estabelecer conexões inusitadas para além da racionalidade e da lógica”, como acontece de forma paradigmática com o conto A terceira margem do rio.

Nova abordagem

Nascido no Rio de Janeiro e educado entre o Brasil e os Estados Unidos, Luiz Fernando Valente conta que, entre seus estudos de graduação e pós-graduação, dedicou-se à leitura de Rosa e Faulkner, dois autores que sempre o intrigaram. Ao tempo em que se apaixonava por suas obras, chegava à conclusão de que o método estruturalista no qual havia sido treinado não dava conta dos dois autores. Na mesma época, descobriu as ideias de Wolfgang Iser, que “acenava com a possibilidade de um novo tipo de abordagem, centrada na resposta afetiva do leitor ao texto”. Dali saiu a tese de doutorado, desenvolvida na Brown University, e parte da base de sua prática crítica e interpretativa, alimentada também por teóricos como Paul Ricoeur e Dominick LaCapra.

Em Mundivivências, a partir de releitura dos prefácios de obras como Grande sertão: veredas e Tutameia, Valente define conceitos, como a “poética do diálogo”, fundamentais para a compreensão da obra rosiana. Ou seja, o arcabouço teórico e crítico do livro é construído de forma indutiva a partir dos próprios textos de Guimarães Rosa. Seguem-se, então, as análises envolvendo os autores estrangeiros.

Em apresentação para o volume, a professora da PUC-RS Regina Zilberman destaca que Valente posiciona Rosa “no centro da reflexão comparatista”, invertendo a “equação da dependência”, segundo a qual autores de países como o Brasil são investigados à sombra dos grandes escritores europeus e norte-americanos. “Fundamento em características e tendências da obra rosiana os confrontos com textos oriundos das tradições ‘centrais’”, completa Valente, professor de literatura brasileira e comparada, e diretor do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University.

Embora não pretenda deixar as pesquisas em torno do escritor de Cordisburgo, o brasileiro radicado no leste americano se dedica a temas como o relacionamento entre história e ficção e à história intelectual brasileira no século 20. Além disso, completa estudo sobre Euclides da Cunha, outro autor que sempre o fascinou e sobre o qual tem ensaios publicados.


Livro: Mundivivências: leituras comparadas de Guimarães Rosa
De Luiz Fernando Valente
Editora UFMG

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