domingo, 9 de maio de 2010

Martins Fontes completa 50 anos

Quando tinha 10 anos, Evandro, encantado com a livraria do pai- a Martins Fontes -, resolveu abrir sua própria loja na garagem de casa e chamou um vizinho para ajudá-lo. O fato de morar em frente ao colégio Canadá, à época um dos mais importantes de Santos, facilitou o sucesso do negócio precoce. “O pessoal passava por ali e comprava mesmo. E eu usava até um carimbo com a imagem de um animal como o logotipo da minha loja”, relembra. Alexandre também tem uma lembrança dos primórdios da Martins Fontes. “A imagem é perfeita: a gente em Santos e meu pai mostrando os originais do primeiro livro e querendo saber nossa opinião. Eu devia ter uns 15 anos e ele estava ali, dividindo com a família um momento que era muito especial para ele”.

Da loja na Praça da Independência, a empresa subiu a serra, se desdobrou e hoje, nos seus 50 anos, tem duas editoras – a WMF Martins Fontes e a Martins Martins Fontes -, quatro lojas em São Paulo, uma no Rio e outra em Santos. São empresas independentes, mas, juntas, empregam mais de 230 pessoas e reforçam, a cada dia, sua qualidade editorial – o primeiro título editado ainda vende - e gerencial – só a Livraria Martins Fontes Paulista e a da Dr. Vila Nova faturaram 642% a mais em 2009 do que em 2004.

História

A Martins Fontes nasceu em Santos em 1960 de uma sociedade entre Walter Martins Fontes, pai de Alexandre e de Evandro, e de dois irmãos dele. Em 67, Walter foi a Portugal e na volta começou a importar e vender livros portugueses no Brasil. Ao longo dos anos 70 até meados da década de 80, era a principal importadora e distribuidora de livros vindos de lá. Em 1975, a Martins Fontes resolveu começar a editar. Na verdade, era uma edição indireta: ela viabilizava edições portuguesas e a que vinha para o Brasil trazia seu logo na capa.

Há controvérsias quanto ao primeiro título lançado por causa da tal parceira com editoras de Portugal, conta Alexandre. Mas ele cita O corpo tem suas razões, de Thérèse Bertherat, que vende bem até hoje. A partir desse primeiro lançamento, o novo negócio passou a ter um peso maior na empresa. Mas tudo isso sem esquecer a livraria. Nos anos 80 abriram as lojas do Rio de Janeiro e da Dr. Vila Nova, em São Paulo. Na década seguinte, inauguraram a loja da Paulista. Nessa época, a empresa de São Paulo já não era a mesma da criada em Santos e essa foi a primeira cisão na sociedade. Os dois irmãos de Walter ficaram com a loja do litoral, enquanto ele passou a administrar as outras ao lado dos filhos. Depois da morte do fundador, em 2000, vieram ainda as lojas da Alameda Jaú e da Praça do Patriarca.

Nova mudança aconteceu em 2006 e o catálogo e as livrarias foram divididos. Alexandre passou a cuidar da WMF Martins Fontes e das lojas da Paulista e Dr. Vila Nova e Evandro, da Martins Martins Fontes e das livrarias do Rio, da Praça do Patriarca e da Alameda Jaú. Como diz Alexandre, uma empresa é um ser vivo que vai mudando junto com as pessoas dentro dela. E com todas essas mudanças, o que se fortaleceu foi a marca. São dois selos, então o nome aparece duas vezes. “Passamos a publicar mais, a equipe editorial é maior. A Martins Fontes é hoje muito mais forte do que cinco anos atrás. O faturamento dos dois selos juntos também. O que o futuro nos reserva, não sei”, diz Alexandre.

Presente e futuro

WMF Martins Fontes

Alexandre está na empresa há 20 anos. “Neles, certamente estive mais envolvido no departamento editorial, mas nos últimos anos tenho dado mais atenção às livrarias”, diz. E valeu a pena. Comparando o faturamento de 2004 das lojas da Paulista e da Dr. Vila Nova com o de 2009, vê-se um crescimento de nada menos do que 642%. Parece mentira, mas não é.

Isso aconteceu depois do investimento feito na loja virtual, que praticamente não existia. Alexandre diz que a loja da Dr. Vila Nova já perdeu em vendas para o site. Mas não é só isso. Com a loja virtual, o nome da livraria e da editora circula mais e não é raro aparecer um cliente na loja da Paulista com um papel impresso do site. Outro fator que ajudou nesse crescimento foi que passaram a ter, também, uma quantidade maior de títulos na Paulista. São 100 mil só na loja. Mas como Alexandre diz, é óbvio que a coisa não é tão simples assim. “Aumenta o faturamento, mas aumenta o custo também”.

Na área editorial também há promessas e uma delas é o Logicomix, um graphic novel de 300 páginas de Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou. Na obra, Bertand Russel sai atrás de uma fórmula matemática contando como se fosse uma aventura épica em busca da verdade absoluta.

Alexandre não quer sucessos instantâneos. “Para sobreviver, deve-se ter livros que vendam ao longo dos anos e que vão se somando. A força da Martins Fontes está em seu catálogo. Individualmente, os livros nem vendem tanto e não temos a preocupação que as outras editoras têm de vender tudo em seis meses. Somos uma editora de long-sellers, corredores de maratona”.

Martins Martins Fontes
Evandro andou bastante mundo afora quando foi cinegrafista de uma emissora de tevê francesa e isso ajudou, ele acredita, a dar a cara que a Martins tem hoje. No catálogo, há livros de autores das mais diversas nacionalidades. Um exemplo é Indícios flutuantes, da poeta russa Marina Tsvetaieva, vencedor dos prêmios Jabuti e Biblioteca Nacional de melhor tradução. Este foi um dos primeiros títulos da editora e além dos prêmios guarda uma outra marca: 11 mil exemplares foi a quantidade comprada pelo governo para a distribuição em escolas. “Só isso já fez valer a chegada da Martins no mercado editorial”, diz. Alejo Carpentier é outro acerto da editora. “Alguns torceram o nariz quando dissemos que publicaríamos, mas já vendemos 24 mil exemplares de Os passos perdidos.

E a editora vai continuar apostando. Lança, em breve, Heliópolis, de James Sandmore, segundo livro do inglês que morou no Brasil – e primeiro publicado aqui. A libanesa Zena El Khalil também será lançada no país pela Martins Martins Fontes. Beirute, eu te amo traz a coletânea de impressões da artista plástica publicadas em seu blog durante uma das guerras do Líbano. Ainda na linha política, vai lançar um livro de Naji El Ali, cartunista palestino assassinado em Londres.

Para o próximo ano, prevê o lançamento de O eternauta, do cartunista argentino Héctor Germán Oesterheld. Envolvido no movimento de guerrilha, o autor e suas três filhas são desaparecidos políticos daquele país. Evandro comenta que volta e meia essa obra entra nos programas de compra de livros do governo argentino tamanha sua importância.

O balanço desses cinco anos é bom: “Temos uma sede própria, nos orgulhamos de ter a empresa organizada e de poder pagar em dia”, conta Evandro. Outro fator de alegria para o editor é a presença de funcionários muito antigos, um deles um vendedor com 30 anos de casa. “Poder ganhar dinheiro fazendo livros de que você gosta é fantástico e nada mal para um neto de chofer de caminhão”. Sobre o faturamento – foram R$ 13 milhões em 2009 – diz: “Faturamento não é o mais importante. O resultado é que é. A empresa é sólida e nosso caixa foi feito de 2005 até agora”.

A sede própria a que se refere é uma casa na Dr. Arnaldo, que Evandro comprou pensando no futuro – são praticamente vizinhos.

Falando em menino, além de trabalhar na lojinha que montou na garagem da casa, Evandro ia também à loja do pai e dos tios para ajudar no famoso “volta às aulas”. As filas eram longas e o garoto pegava as listas de material e ia ajudando a separar canetas, lápis, borracha... É dessa mesma época uma outra lembrança. Antes de ir à praia aos sábados, Evandro acompanhava o pai, que era também distribuidor de livros de inglês, nas visitas às escolas. “E eu ficava dentro do carro esperando, esperando...”

Para além do futuro

Nenhuma das editoras começou a publicar digitalmente, mas os dois editores estão acompanhando as notícias. Alexandre não vê dificuldade no processo: “Do ponto de vista tecnológico é simples. Quando desatarmos nós como o dos direitos autorais estará tudo resolvido”.

Evandro é um pouco mais cético. “É um desperdício fazer as empresas investirem no device para reproduzir o livro. Estamos na pré-história de uma nova forma de apresentar conteúdo”, acredita. Para ele, este é um momento de descoberta dos novos recursos criados pela tecnologia e ainda é cedo para saber aonde isso tudo vai dar. “Vai ficar reproduzinho texto da mesma forma que imprimos o livro? Pra quê?”, pergunta. Ele conta que seu dia a dia ainda se resume a pensar nos desafios de distribuir seus livros no mercado brasileiro.

“Isso tudo é modismo, lobby. Onde vai estar o Kindle em cinco anos? Dou nada por ele. Fui assaltado e dei graças a Deus porque me levaram o Kindle”. Em compensação, sua estante de livros permaneceu intacta. Ele disse que não vai substituir o aparelho roubado, entretanto afirma que se resolver dar mais uma chance para os leitores digitais vai mudar logo para o iPad.

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